O frase-aviso que serve de título foi proferido por José Ramos, presidente da ACAP e também presidente & CEO da Toyota Caetano Portugal que, na conferência de imprensa promovida pela Associação Automóvel de Portugal, chegou a admitir que a sua empresa, se calhar, teria de equacionar a criação de um sector para importar viaturas usadas “para salvaguardar postos de trabalho”.

Mas antes de explicar a razão desta manifestação de descontentamento do presidente da ACAP importa fazer um breve enquadramento do mercado automóvel em Portugal:

– Entre janeiro e outubro, o volume de matrículas de automóveis ligeiros de passageiros reduziu 37,1%, face ao mesmo período de 2019. Numericamente foram menos 70.300 unidades (dados ACAP);

– No mesmo período, o mercado europeu contraiu 26,8% (dados ACEA);

– Nos primeiros 10 meses, as aquisições de rent-a-car desceram 72%. Em números concretos, menos cerca de 40.300 veículos ligeiros de passageiros (dados ARAC);

– Os ligeiros de passageiros usados importados somaram 48.354 unidades entre janeiro e outubro. A redução foi menor do que no mercado de novos (-26,8%), sendo de destacar que:

a) O valor representa 40,52% do volume de carros novos de passageiros (dados ACAP);

b) Cinco marcas garantiram 60% do total deste canal (entre parenteses está a dimensão em comparação com o número de unidades novas registadas): Peugeot: 7.768 (49,1%); Renault: 7.207 (59%); Mercedes-Benz: 7.022 (59,3%); BMW: 5.121 (61,4%); Audi: 2.405 (101%); ou seja, em 2020, há marcas com um número mais elevado de carros usados importados, do que matrículas de carros novos.

ACAP

– O número de matrículas de híbridos elétricos novos foi de 8.608 unidades nos primeiros 10 meses de 2020. O de híbridos elétricos plug-in foi de 8.315 unidades. Os primeiros representam 7,2% do mercado, os PHEV sensivelmente 7% do registo de carros novos.

As razões do protesto da ACAP

Na discussão na especialidade do Orçamento do Estado para 2021, o Partido PAN apresentou vários documentos com propostas de alteração que incidiam sobre os benefícios concedidos a veículos híbridos e híbridos plug-in.

As propostas do PAN surgiram na sequência de recomendações da Associação Zero, desencadeadas por um estudo da Federação Europeia de Transportes e Ambiente às emissões produzidas por automóveis “plug-in” em diversas “condições reais de utilização” que foram consideradas por esta entidade.

Das propostas do PAN resultou a aprovação, com votos favoráveis do PS, de três emendas aos artigos 88.º do IRC (Taxas de Tributação Autónoma) e 8.º do ISV (Taxas intermédias – automóveis).

A primeira emenda, com implicação para profissionais com tributação em IRC, altera o benefício da aplicação de taxas reduzidas de Tributação Autónoma às despesas com viaturas “plug-in”. Para este benefício passam a ser elegíveis apenas as viaturas híbridas elétricas “plug-in” que apresentem valores de emissões CO2 inferiores a 50 g/km e autonomia em modo exclusivamente elétrico igual ou superior a 50 km.

https://fleetmagazine.pt/2020/11/26/hibridos-plug-in-tributacao-autonoma-isv/

As duas emendas restantes produzem efeito direto sobre o preço de aquisição dos modelos híbridos e híbridos “plug-in”. Assim, para que estes veículos possam beneficiar de um desconto de Imposto Sobre Veículos (ISV), terão de respeitar as exigências anteriores: emissões CO2 inferiores a 50 g/km e autonomia em modo exclusivamente elétrico igual ou superior a 50 km. Caso contrário, não poderá ser aplicada a dedução de 60% de ISV no caso dos híbridos (até 2020 todos os híbridos eletrificados beneficiavam deste fator sem distinção) e da dedução de 25% no caso dos híbridos “plug-in” (até 2020 aplicada a todos os modelos com 25 km ou mais de autonomia elétrica).

Desde logo, uma das emendas aprovadas não tem qualquer fundamento técnico: não existem automóveis híbridos com 50 km de autonomia elétrica porque não é esse o seu propósito, sendo que para tal existem os “plug-in”. Além disso, não há viabilidade de o conseguirem, não só porque não dispõem de bateria com capacidade para tal e, ainda que esta existisse, não haveria outra forma de carregamento que não fosse a eletricidade gerada pelo motor ou por via da energia regenerada do movimento. A primeira elevando os consumos (e as emissões), a segunda insuficiente por razões óbvias.

Cálculo ao aumento de preço dos híbridos 

Sabendo-se que o valor apurado para ISV é agravado em 23% pelo IVA, calculámos o efeito que esta medida vai produzir no preço de alguns modelos a gasolina híbridos comercializados em Portugal (valores em euros, com arredondamento, meramente indicativos e variáveis em função do CO2 de cada viatura analisada):

hibridos

O agravamento do preço dos automóveis de passageiros híbridos é, então, a primeira consequência prática destas medidas.

A segunda — e que diz respeito à Tributação Autónoma — é que os encargos com todos os modelos híbridos plug-in que não cumpram os critérios de emissões CO2 inferiores a 50 g/km e autonomia em modo exclusivamente elétrico igual ou superior a 50 km/h passam a estar sujeitos às taxas normais deste imposto.

Mas, para a ACAP e para as marcas automóveis representadas em Portugal, as consequências destas alterações podem ser ainda mais graves.

Mais reflexos das alterações fiscais nos híbridos

A hibridização dos motores automóveis é uma necessidade que deriva das imposições da União Europeia em matéria de redução de emissões. Até à eletrificação total do automóvel, os modelos híbridos são um caminho intermédio na redução progressiva das emissões e na habituação dos condutores às exigências desta realidade.

Porém, as alterações mecânicas e a adição das baterias acrescem, naturalmente, as despesas de construção de um automóvel. Esse custo adicional é parcialmente esbatido no preço a que o automóvel chega ao consumidor final através da bonificação fiscal. Ou seja, a dedução de ISV de que um carro híbrido beneficia é que lhe permite um preço final competitivo quando comparado com um modelo exclusivamente a gasolina ou a gasóleo.

Desaparecendo esse fator de competitividade, é natural que as preferências do consumidor voltem a concentrar-se sobre os automóveis com motor a gasolina ou a gasóleo, sem apoio de sistema eletrificado. Ou, no limite, que aumente a procura de viaturas usadas importadas, que a partir de 2021, passam a beneficiar de taxas de ISV progressivamente mais reduzidas em função da antiguidade.

“É um contrassenso”, exclama Pablo Poye, presidente do Conselho Estratégico dos Construtores de Automóveis da ACAP. “Vamos consumir mais carros que vão aumentar o CO2 em vez de diminui-lo”.

ACAP avisa para as consequências para o mercado automóvel e para o País

Alguns alertas deixados na conferência da ACAP incidiram também na necessidade dos importadores repensarem o seu plano de negócios para 2021, após um ano de recessão brusca do mercado e de incerteza quanto à sustentabilidade do negócio nos atuais moldes. Além dos reflexos que isto pode vir a ter em termos de emprego, acontece que, a um mês do fim de 2020, as negociações, encomendas e estratégias futuras estão já praticamente decididas ou numa fase avançada do processo.

Importa perceber que os importadores nacionais estão obrigados centralmente a fazerem uma gestão criteriosa dos modelos e versões que vendem em cada país, para que o construtor possa cumprir com os limites de emissões de CO2 definidos pela União Europeia.

Lembra Hélder Pedro, secretário geral da ACAP, ainda recentemente a comissária europeia do ambiente reforçou que a redução de emissões não se consegue só com os carros elétricos e que os híbridos dão um contributo fundamental para conseguir alcançar este objetivo.

Ao cumprimento desses mesmos limites está comprometido cada estado membro, o que explica a política de incentivos para a aquisição de veículos mesmos poluentes que vigora em alguns países europeus. Uma solução de promoção à renovação do parque automóvel cuja implementação em Portugal a ACAP tem solicitado há vários anos e que sucessivos governos nacionais têm ignorado, apesar do negócio automóvel em Portugal ser anualmente um dos principais responsáveis pela produção de riqueza, emprego e obtenção de receitas fiscais.

ACAP