Terceira e última parte da entrevista a Rui Soares Ribeiro, presidente da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária (ANSR).
A primeira parte da entrevista debruçou-se sobre os indicadores de sinistralidade em 2020 e a importância do Sistema Nacional de Controlo de Velocidade (SINCRO) para a redução do número de acidentes e de vítimas de acidentes rodoviários.
Na segunda parte da entrevista concedida à Fleet Magazine de novembro de 2020, Rui Soares Ribeiro refere o papel das empresas no âmbito da prevenção rodoviária e a atenção dada pela ANSR ao fenómeno de mobilidade gerado com o aumento do comércio electrónico em Portugal.
Nesta terceira e última parte da entrevista incide sobre o trabalho das autoridades europeias no âmbito da redução da redução ad sinistralidade rodoviária, bem como o acompanhamento feito pela Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária nesse sentido.
Nomeadamente o trabalho de estudo das infraestruturas já existentes, de forma a avaliar, de forma mais assertiva, as causas de uma incidência elevada de sinistros em alguns troços de estradas em Portugal.
Existem diretivas europeias muito precisas no domínio da redução da sinistralidade e, muito concretamente, em relação ao que cada Estado deve fazer. Com que medidas ou ações podemos vir a contar em Portugal nos anos imediatos?
Prestes a iniciar uma nova década este é o momento de reforçarmos o combate à sinistralidade rodoviária.
A sinistralidade não é uma fatalidade nem é uma situação inevitável, e pode ser combatida com sucesso.
É necessário reforçar o compromisso de todos com a segurança rodoviária, através da definição e aplicação de políticas públicas eficazes e eficientes que mobilizem toda a administração pública central e local, o sector privado e a sociedade em geral.
Só assim se conseguirá uma diminuição sustentada e consistente da sinistralidade rodoiária e se obterão resultados significativos na luta contra as suas consequências.
Neste contexto, a ANSR, cuja missão integra o planeamento e coordenação a nível nacional de apoio à política do Governo em matéria de segurança rodoviária, está a desenvolver o Plano Estratégico de Segurança Rodoviária 2021-2030 – “VisãoZero2030” – em alinhamento com a segunda década de ação das Nações Unidas, com a Declaração de Estocolmo, com a política de segurança rodoviária da Comissão Europeia 2021-2030, e com o Sistema de Transporte Seguro.
Que objetivo tem este documento?
A “VisãoZero2030” irá estabelecer a visão de longo prazo da política de segurança rodoviária em Portugal e determinar as metas e os objetivos estratégicos e operacionais correspondentes, implementados por meio de planos de ação bienais que concorrem numa estratégia a 10 anos, relacionados com os cinco pilares do sistema de transporte seguro:
- Gestão da segurança rodoviária;
- Utilizadores mais seguros;
- Infraestrutura mais segura;
- Veículos mais seguros;
- Melhor assistência e apoio às vítimas.
Uma vez que a segurança rodoviária é um compromisso e uma responsabilidade de todos, e que o seu combate exige um esforço partilhado de todos – e entre todos -, a estratégia VisãoZero2030 consiste num documento que será construído considerando os contributos de toda a sociedade civil, de modo a que todos se identifiquem e contribuam para o combate à sinistralidade rodoviária.
Entre outros, já recebemos contributos de entidades e organizações públicas e privadas, ONGs, academias, sector empresarial e outros agentes económicos, como também de cidadãos.
A ANSR está a analisar quase cinco mil quilómetros em 20 estradas portuguesas para entender as razões do elevado nível de sinistralidade que aí se regista
Pode antecipar algumas das intenções de trabalho previstas?
Vou dar um exemplo do que tem sido a ação da ANSR e como pretendemos continuar a ser proativos na defesa da vida humana na estrada.
Num dos pilares do sistema seguro, a “Infraestrutura Mais Segura”, terá de ser tida em conta a Diretiva UE 2019/1936, do Parlamento Europeu e do Conselho, relativa à gestão da segurança da infraestrutura rodoviária, e segundo a qual as mortes e os feridos são, em larga medida, evitáveis, devendo haver uma responsabilidade partilhada entre os diversos “atores” do Sistema de Transporte Seguro.
Lê-se nesta Diretiva, logo nos considerandos que “(…) estradas bem concebidas e devidamente mantidas e claramente marcadas e sinalizadas deverão reduzir a probabilidade de acidentes de viação, enquanto estradas menos perigosas (estradas construídas de forma inteligente para garantir que os erros de condução não tenham imediatamente consequências graves ou fatais) deverão reduzir a gravidade dos acidentes”.
Ou seja, as estradas também devem garantir um elevado nível de segurança.
E que trabalho já está a ser feito neste sentido?
Acolhendo estas recomendações, a ANSR promoveu a realização do EuroRAP (European Road Assessment Programme) que avaliou vinte estradas portuguesas com uma extensão de 4.880 km (cerca de 35% da Rede Rodoviária Nacional, e 5% da rede de estradas em Portugal).
Estas 20 vias foram selecionadas pelo elevado nível de sinistralidade que nelas foi registado.
No período 2010 a 2016, estas vias registaram os maiores indicadores de gravidade acumulados e foram responsáveis por 43% das mortes contabilizadas em estradas nacionais, estradas regionais, itinerários complementares e itinerários principais.
O estudo, elaborado de acordo com a metodologia EuroRAP incluiu a classificação por estrelas das vias analisadas, a elaboração de planos de investimento de segurança rodoviária e a elaboração de mapas de risco.
Deste trabalho resulta uma ferramenta que ajuda o responsável da infraestrutura na avaliação de quais são as intervenções prioritárias.
E relativamente às que exigem que todos os novos modelos automóveis disponham de mais equipamento e dispositivos de segurança a partir de 2022?
Em março de 2019 foi apresentado o texto para um novo regulamento comunitário que impõe normas de segurança reforçadas para os fabricantes de automóveis, com vista a reduzir significativamente o número de acidentes e vítimas de acidentes rodoviários nas estradas da UE.
Este novo regulamento, que entrará em vigor em 2022, adota medidas para proteção dos ocupantes dos veículos e também para os utilizadores vulneráveis, através da inclusão de novas tecnologias e sistemas para os veículos novos de diferentes tipos.
Por força das novas regras, todos os veículos a motor (incluindo camiões, autocarros, veículos comerciais e restantes veículos) terão de estar equipados com os seguintes dispositivos de segurança:
- Adaptação inteligente da velocidade (adaptável em função da velocidade da via em que circula e desligável por opção do condutor);
- Pré-instalação de dispositivos de bloqueio da ignição sensíveis ao álcool;
- Sistemas de aviso da sonolência e da atenção do condutor;
- Sistemas de aviso avançados da distração do condutor;
- Sinais de travagem de emergência;
- Sistemas de deteção de obstáculos em marcha-atrás;
- Aparelho de registo de eventos (que vai para além das informações atualmente oferecidas pelos tacógrafos, devendo por isso ser ao nível da centralida do veículo);
- Controlo preciso da pressão dos pneus;
Serão exigidas medidas de segurança adicionais para os automóveis e os comerciais, que incluem:
- Sistemas avançados de travagem de emergência;
- Sistemas de manutenção na faixa de rodagem;
- Zonas alargadas de proteção de impacto da cabeça capazes de reduzir os ferimentos em colisões com os utentes da estrada vulneráveis, como os peões e os ciclistas.
Para além dos requisitos gerais e dos sistemas existentes (como o aviso de afastamento da faixa de rodagem e o sistema avançado de travagem de emergência), os camiões e os autocarros terão de estar equipados com sistemas avançados capazes de detetar peões e ciclistas localizados nas imediações e de reduzir significativamente os ângulos mortos à volta do veículo.
Além disso, o regulamento permite que a Comissão adote regras específicas para a segurança dos veículos movidos a hidrogénio e dos veículos autónomos.
Estes sistemas podem contribuir para mudar a forma emocional como muitos cidadãos encaram o automóvel e que muitas vezes é responsável por atitudes ao volante que potenciam o risco de acidente?
Naturalmente que a introdução destas tecnologias nos futuros veículos constituirá uma alteração do atual paradigma e será mais um passo para veículos cada vez mais autónomos e naturalmente mais seguros.
A Comissão Europeia estima que os veículos autónomos possam reduzir em mais de 90% a ocorrência de acidentes rodoviários.
Atualmente, já estamos a assistir a mudanças ao nível das motorizações, com a crescente eletrificação das mesmas, em detrimento dos motores de combustão interna, pelo que a adoção destes dispositivos irá reduzir, de forma paulatina, a intervenção humana, em ordem a uma maior segurança dos ocupantes dos veículos, bem como dos demais utentes da via pública, em especial os vulneráveis.
Gostava que comentasse a seguinte questão: se uma viatura ligeira a partir dos dois anos (de mercadorias) ou dos quatro anos (de passageiros) é alvo de uma inspeção periódica, porque é que um condutor, mesmo particular da categoria B, não é também objeto de uma avaliação regular das suas capacidades e competências?
Como nota prévia, e compreendendo desde já a pertinência da questão, direi que estamos a comparar coisas incomparáveis.
O ciclo de vida útil de um veículo e as capacidades e competências do condutor. Evidentemente que só os condutores que possuem as necessárias capacidades, físicas e mentais, para conduzir, o podem fazer.
Estas (in)capacidades podem até ser temporárias, como a condução sob o efeito de álcool ou substâncias psicotrópicas, ou podem ser permanentes, mas não estão direta e univocamente relacionadas com a idade.
No entanto, refira-se que o artigo 129.º do Código da Estrada já prevê a submissão a exames dos condutores sobre que recaiam fundadas dúvidas relativamente à aptidão física, mental ou psicológica para o exercício da condução em segurança.
Esta discussão é demasiado interessante para ser respondida de um modo breve, até porque iria certamente abranger nas competências dos meus colegas do IMT, extravasando as minhas enquanto presidente da ANSR.
Reforçando que as matérias relacionadas com a habilitação e a capacitação dos condutores são da competência do IMT e da área da saúde, devo mencionar que no PENSE 2020, foi inscrita a ação intitulada “Programa de acompanhamento do envelhecimento dos condutores”.
Este é um tema que está na ordem do dia das preocupações da ANSR e de todas as congéneres da Europa onde a esperança média de vida tem vindo a aumentar.
Leia aqui a primeira parte da entrevista:
https://fleetmagazine.pt/2020/12/22/rui-soares-ribeiro-presidente-ansr-sincro/