Por: Ricardo Sousa

Já há cerca de 4 anos, no grupo de responsáveis de homologação europeia das marcas do qual fiz parte, existia a ideia de que os testes de certificação de consumo e emissões eram pouco representativos da condução normal. Portanto, pouco fiáveis

ricardo sousaRicardo Sousa é engenheiro mecânico e ex-diretor de pós-venda da Hyundai em Portugal. É colaborador regular da FLEET MAGAZINE

O caso recente da VW, que reconheceu ter “embebido“ em alguns modelos software com capacidade para detetar quando estes se encontravam sujeitos a testes laboratoriais, obrigou a Comissão Europeia a reagir e a anunciar a antecipação de medidas capazes de assegurarem que a homologação dos valores de desempenho (consumo e emissões de diferentes compostos) fiquem mais próximos dos regimes de operação do motor em condições reais de utilização.

A ideia não é nova e há muito que é partilhada pela comunidade científica e organizações não-governamentais que, consecutivamente, vinham alertando a própria comissão para esta realidade.

Mas como é possível reduzir as discrepâncias entre os resultados dos testes de certificação de emissões e os resultados da condução “normal”, sendo que esta depende em muito do utilizador e das condições de percurso?

Sem pretender entrar em detalhes técnicos demasiado complexos, vou tentar explicar qual a dificuldade que existe em avaliar se o aumento de eficiência dos novos motores e a consequente redução de emissão de poluentes é real e corresponde aos valores declarados.

Os requisitos técnicos das normas Euro forçaram os construtores a introduzirem as tecnologias necessárias ao seu cumprimento em cada fase.

Por exemplo, os conversores catalíticos foram necessários para cumprir as normas Euro 1.

Já quando as normas Euro 4 foram estabelecidas em 1998, a indústria automóvel afirmou a impossibilidade de cumprir tais metas, argumentando com a necessidade de filtros de partículas demasiado caros. No entanto, os avanços obtidos na tecnologia de motores, como as novas geometrias das câmaras de combustão e pistons, bem como o uso de catalisadores de oxidação diesel, tornaram possível o cumprimento das normas Euro 4.

Se as Normas Euro 5 foram concebidas para exigir filtros de partículas “fechados”, para o Euro 6 são necessários sistemas de escape com redução catalítica seletiva para todos os novos automóveis com motores diesel.

Medidas acessórias

É importante frisar que toda a regulamentação das emissões de CO2 provenientes dos transportes é encarada como uma parte fundamental da estratégia global destinada ao cumprimento dos objectivos de redução de gases de efeito estufa a longo prazo.

Daí a importância e a atenção dadas ao assunto quer por entidades oficiais, como por organismos independentes, sobretudo ligados à defesa do ambiente, que vêm mantendo uma vigilância atenta quanto ao cumprimento destes e de outros objetivos.

É que, como parte da estratégia relativa ao controlo das emissões de CO2 dos veículos, foram implementadas outras medidas relacionadas com aspectos específicos dos sistemas de um carro.

Exemplo disso foi a diretiva sobre emissões provenientes de sistemas de ar condicionado, que proibiu a utilização de gases igualmente com efeito estufa.

Com o mesmo propósito, é que em todos os automóveis novos passou a ser obrigatória a inclusão de sistemas de monitoração de pressão dos pneus (TPMS), luzes indicadoras de mudança de velocidades e a utilização de pneus baixa resistência ao rolamento.

Apesar do peso orçamental que estas exigências representam sobre a produção, de facto, a reação da indústria automóvel foi bastante sustentada e cooperante neste processo e, sem dúvida, que os motores e veículos se tornaram mais eficientes e seguros.

E agora? O que se segue?

Até ao momento, o teste de emissões para homologação de veículos na Europa segue um procedimento pré-definido designado por NEDC: um ciclo de condução especificado e com condições de teste prescritas, com os veículos testados sobre um banco de rolos com tracção dinamometricamente aferida.

Os testes têm perfis de velocidade em função do tempo perfeitamente definidos e englobam ciclos que representam condições de condução urbana – baixa velocidade do veículo, baixa carga do motor e baixa temperatura dos gases de escape – e, numa segunda fase, modos de condução extraurbanas e altas velocidades até um máximo de 120 km/h.

Apesar de efetuados em laboratório, com condições perfeitamente definidas e iguais para todos os construtores, era assiduamente discutida dentro da comunidade de fabricantes, que os regimes de operação dos motores eram avaliados numa faixa estreita da sua utilização.

Esse facto, permite otimizar o veículo para o tal período estreito de análise e que não estabelece um padrão representativo de condução em estrada, que se caracteriza por baixa velocidade e alto binário, velocidades de transição dinâmicas e íngremes, e condução em alta velocidade. Estas e outras “lacunas” dos regulamentos, como a possibilidade da redução das forças de atrito com o aumento de pressão dos pneus, a utilização de lubrificantes de baixo teor de atrito e a diminuição dos consumos de equipamentos elétricos permitiriam otimizar os resultados das emissões.

Por isso, se estes testes em laboratório são mais práticos do ponto de vista de operação, revelam-se porém muito pouco representativos dos ciclos de condução em estrada.

O “dieselgate” criado com os acontecimentos do grupo Volkswagen e as novidades sobre a questão dos consumos e emissões que regularmente vão vindo a público, aceleraram a discussão sobre a necessidade da entrada em vigor de um novo ciclo de certificação de emissões de veículos.

A intenção é aproximar os resultados apurados da realidade, com procedimentos laboratoriais mais exigentes e mundialmente harmonizados.

O WLTP (Worldwide Light Duty Test Procedure), que tem vindo a ser desenvolvido ao nível das Nações Unidas, está na calha para ser adotado por vários países.

Que traz de novo?

Trata-se de um teste mais complexo, constituído por 4 partes com perfis de velocidade distintos: baixa, média, alta e extra alta velocidades.

Mesmo se existem fatores de correlação entre os dois ciclos (NEDC / WLTP), este último tem um ciclo de avaliação mais longo, tem maior duração, sujeita o veiculo ensaiado a velocidades máximas mais elevadas e a uma maior aceleração do que o teste NEDC.

A Comissão Europeia já pretendia introduzir o WLTP até ao final de 2014. Mas alguns estados-membros sugeriram que a adoção obrigatória deste ciclo de testes deveria prorrogada e “suavizada” em alguns pontos técnicos, nomeadamente o facto das autoridades europeias terem acrescentado alguns parâmetros que poderiam gerar diferenças entre WLTP EU e o WLTP mundial.

Outra das preocupações dos fabricantes era a necessidade de mais tempo para prepararem equipamentos de teste e de monitorização a que este novo ciclo obriga. A ACEA, associação que agrega os fabricantes automóveis sedeados na Europa, sustentava também que se devia prolongar a introdução de WLTP por causa do tempo de desenvolvimento necessário para a adaptação dos novos motores às regras anteriormente aprovadas, uma das quais obriga a que a média da frota de todos os carros novos de um construtor não possa ser superior a 95 g/km de CO2 até 2021.

Por outro lado, os parâmetros do WLTP revelam-se potencialmente críticos para carros híbridos.

Os recentes acontecimentos vieram dar força aos que defendem a necessidade da entrada em vigor deste novo ciclo de testes e a Comissão Europeia anunciou a intenção de introduzi-lo já em 2017.

Mas ainda não é garantido que o fará nessa data.

E, a meu ver, poderá não ser suficiente.

Vencer as desconfianças

Apesar do WLTP parecer vir a reduzir as discrepâncias entre resultados dos testes de certificação de emissões e os resultados da condução “normal”, acredito que, a par da introdução de um novo ciclo de testes, adicionalmente deverá prever um procedimento suplementar, fora do ciclo de ensaios, para avaliar as emissões de estrada.

Na situação atual, creio que a utilização de sistemas portáteis de medição de Emissões (PEMS – Portable Emission Measurement Systems) permitiria uma melhor caracterização de consumos e emissões em estrada.

Seria igualmente muito importante a participação de grupos de investigação com muitos anos de experiência nesta matéria, entidades independentes credíveis que também existem em Portugal, como por exemplo o IST, para que pudessem contribuir no desenvolvimento de novas soluções neste âmbito da certificação de veículos.

É preciso uma resposta mais robusta para este problema que possa reduzir a probabilidade da indústria automóvel voltar a ficar exposta a novas suspeitas no futuro.

O grande desafio, antes, de agora e no futuro, vai ser a capacidade de criar condições iguais e justas para todos os construtores.