Vale a pena as empresas decidirem as suas necessidades de mobilidade apenas do ponto de vista do aproveitamento dos benefícios fiscais em vigor? O que podemos esperar do Orçamento do Estado? Um olhar sobre o atual momento fiscal e sobre o impacto que a Tributação Autónoma (TA) e o IVA têm para as decisões.
O conceito económico do custo de oportunidade assenta na análise de uma decisão que não é tomada a favor de outra e dos ganhos que daí poderiam advir, caso a opção fosse diferente daquela que acaba por ser executada.
A aposta em veículos 100% elétricos e plug-in por parte de muitas empresas pode, para já, ser encarada como o aproveitamento de uma oportunidade, justificada pelos atuais incentivos fiscais que permitem reduzir o TCO da frota.
Apesar dos riscos e dos custos por vezes inesperados, a aprendizagem e a antecipação de práticas podem traduzir-se numa vantagem competitiva futura dificilmente mensurável a curto prazo, já que nenhuma estimativa de custos de utilização de uma viatura durante três, quatro ou mais anos, consegue definir, com precisão, as perdas ou ganhos que resultam dos investimentos feitos em infraestruturas de carregamento, por exemplo, ou os resultados que a condução de viaturas elétricas pode ter para a operacionalidade e para a segurança rodoviária.
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Os custos e os contratempos de uma decisão
Nesta equação financeira, a componente fiscal desempenha um papel bastante importante.
Não apenas por causa do caráter imprevisível de alguns impostos que incidem sobre a utilização profissional das viaturas, nomeadamente a Tributação Autónoma, a qual tem grande poder em qualquer decisão.
Também o impacto que representam os impostos sobre o consumo, como o IVA, sempre que ocorre a subida do preço de aquisição de um determinado bem, mesmo nas situações em que este imposto é dedutível.
Tributação Autónoma: o que diz a proposta de Orçamento do Estado para 2022
Concentrando grande parte da análise na Tributação Autónoma e no IVA, vamos então avaliar a forma como o momento atual de escassez de produto, aumento do custo de aquisição de um automóvel e subida dos custos de energia está a gerar problemas para as empresas e para o sector automóvel em geral.
Tributação Autónoma
É o maior quebra-cabeças de muitas empresas por várias ordens de razão: porque a subida do custo de aquisição de alguns modelos está a conduzi-los para um patamar superior de TA, e porque este imposto recai sobre os encargos atribuídos à viatura, nomeadamente combustível. Cujos preços estão a crescer, sem perspetivas de recuo a curto prazo.
Não menos grave, as empresas podem ver agravada a tributação deste imposto em 10%, no caso de apresentarem prejuízo fiscal.
De momento, concorrem vários fatores que podem influenciar negativamente o balanço das contas: depois de dois anos complicados, o aumento dos custos de produção em consequência dos acontecimentos que atualmente se vive, vai ter em muitos casos impacto sobre a margem de lucro do negócio.
Além de que uma eventual subida das taxas de juro não apenas irá aumentar os encargos com financiamentos contraídos, como reduz a margem para novos créditos.
RECURSO: os encargos com os 100% elétricos não são sujeitos a TA, enquanto os híbridos plug-in têm uma redução importante deste imposto extraordinário. Contudo, os PHEV comportam riscos.1
A avaliação de soluções automóveis a GNC pode ser estudada2, bem como a transferência dos encargos com a propriedade automóvel para a esfera pessoal do colaborador, apesar de alguns riscos associados.3
IVA
Este imposto tem uma importância acrescida para as decisões de frota. É possível a sua dedução na aquisição de viaturas comerciais, viaturas elétricas e híbridas plug-in, desde que fiquem assegurados determinados requisitos, nomeadamente a afetação da viatura a uma atividade conexa ou a exigência, nos modelos PHEV, de limites mínimos de autonomia e valores máximos de emissões.
Já os limites considerados para a aquisição de viaturas 100% elétricas e híbridas plug-in (passíveis de dedução do IVA) referem-se ao custo de aquisição da viatura, antes da incidência do imposto.
As empresas podem também efetuar a dedução de 50% do IVA sobre o gasóleo e deduzir integralmente o seu valor no custo da eletricidade utilizada para a mobilidade elétrica.4
QUESTÃO: os benefícios em sede de IVA não servem para empresas cuja atividade não permite a dedução deste imposto. A medida compensatória anunciada (redução do ISP, em função do aumento do custo do combustível, antes da incidência do IVA) vai aumentar a desigualdade de tratamento entre as empresas às quais é permitida a dedução deste imposto e aquelas cuja atividade está isenta de IVA.
Notas
- O benefício que permite a redução da Tributação Autónoma para 5%, 10% e 17,5% é apenas permitido aos automóveis que cumpram dois requisitos: emissões CO2 inferiores a 50 g/km e autonomia em modo elétrico superior a 50 km. Estas exigências, introduzidas no Orçamento do Estado para 2021, previam, na proposta inicial apresentada na discussão na especialidade, uma autonomia em modo elétrico superior a 80 km. Várias associações ambientalistas e entidades europeias têm manifestado desagrado sobre a fraca utilização da capacidade elétrica destes veículos, contrariando assim o espírito inicial dos incentivos fiscais ou financeiros. Alterações legislativas sobre os requisitos mínimos de emissões e/ou autonomia, para que modelos plug-in possam continuar a beneficiar de tais incentivos, podem fazer elevar este imposto de 10% para 27,5% no segundo escalão, ou até duplicar a taxa no terceiro escalão da Tributação Autónoma. Regra aplicável a modelos já adquirido.
- Os automóveis a Gás Natural Liquefeito (GNL) mantêm alguns benefícios fiscais em sede de IVA e de Tributação Autónoma. A sua expressão em Portugal é muito reduzida nos ligeiros de passageiros, sobretudo devido às dificuldades de abastecimento. Contudo, face à vontade da Europa tornar-se menos dependente dos derivados do petróleo, e dado que Portugal está numa posição privilegiada no que respeita ao abastecimento de gás natural, é provável que isso possa estimular o crescimento de uma rede de abastecimento de GNL. Vantagens desta solução: menor consumo, mais autonomia e reabastecimento rápido.
- A transferência dos encargos com a viatura para a esfera pessoal do utilizador é uma solução já praticada e que protege a empresa de alguns riscos, nomeadamente variações das taxas de Tributação Autónoma. Porém, a implementação desta solução nem sempre é fácil, já que requer acordo entre as partes. Por outro lado, esta prática pode aumentar as dificuldades em caso de rescisão do contrato de trabalho do seu utilizador.
- No atual cenário, as empresas debatem-se com duas problemáticas: um aumento significativo do custo da energia elétrica, tanto mais elevado quanto maior for o consumo; e naturalmente ele cresce com o carregamento dos veículos nas instalações. A dedução do IVA da eletricidade para a Mobilidade Elétrica requer também contadores distintos, um dos quais destinado exclusivamente ao carregamento da viatura. A utilização de wallbox e outras soluções equivalentes solucionam parte da questão nas empresas, mas, por razões várias, nem sempre é possível instalar este equipamento na residência do utilizador da viatura. O que levanta dúvidas quanto à forma de ressarcir o utilizador pelo custo da eletricidade consumida, uma das quais poderá ser uma solução similar a um Cartão de Mobilidade ou outros benefícios fiscais.