Quase a cumprirem-se dez anos sobre a publicação de Fiscalidade Verde, constata-se que muita coisa mudou e evoluiu em apenas uma década. Mas se os benefícios fiscais associados à Fiscalidade Verde ajudaram a reduzir as emissões de muitas empresas, e a diminuição deste tipo de incentivos em alguns países europeus começa a gerar preocupação, existem outros desafios pela frente. Mas também novas oportunidades
Há cada vez mais países europeus a reduzirem ou a retirarem benefícios fiscais dirigidos para a Mobilidade Elétrica, consoante a eletrificação do parque automóvel aumenta, a oferta de modelos elétricos ou eletrificados é maior e mais marcas anuncia o fim do desenvolvimento ou produção de motores a combustão.
Realizar a transição energética representa um grande desafio para empresas e entidades públicas com frota, sobretudo quando ela é bastante diversificada. Porém, apesar de terem sido as primeiras a aderirem à transição energética, quando 200 km de autonomia de um carro elétrico era quase uma miragem, o facto de terem arriscado fazê-lo dá-lhes hoje uma bagagem de conhecimento, não só para a evolução da própria mobilidade interna, como pela obtenção de dados importantes que permite aos operadores terem uma real noção das necessidades inerentes a este modelo de mobilidade.
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O quanto a mobilidade elétrica evoluiu numa década!
Prestes a cumprirem-se 10 anos desde que a Reforma da Fiscalidade Verde foi publicada (31 de dezembro de 2014) constata-se que muito aconteceu: o parque elétrico cresceu significativamente, as viaturas eletrificadas ganharam eficiência, autonomia e – muito importante – velocidade de carregamento das baterias. Que, sendo menores, ganharam densidade energética, são mais leves e mais robustas. Não menos relevante, o preço de um carro 100% elétrico desceu significativamente. A título de exemplo, em 2016, um Nissan Leaf com bateria de 30 kWh custava cerca de 38 mil euros, enquanto que, em 2024, um Tesla Model 3 com mais do dobro da autonomia custa pouco mais de 40 mil euros. Não admira, então, que uma empresa que possa ter adquirido este modelo há quatro ou cinco anos, para utilização de um quadro administrativo, o queira manter para continuar a usar, por exemplo, como viatura de pool; afinal, o seu valor de mercado, enquanto automóvel usado, passado estes anos, pode ser inferior ao que um modelo citadino igualmente elétrico.
Regime jurídico da mobilidade elétrica: entrevista aos autores
Ao longo da última década, a Fiscalidade Verde foi essencial para reduzir as emissões de muitas empresas. A dedução do IVA desde logo, por se tratar de um imposto aplicado por inteiro no momento da aquisição, é essencial para ajudar a nivelar o custo do automóvel 100% elétrico, com o de um modelo equivalente com motor a combustão. Nisso muito contribui também a isenção de ISV aplicada a um veículo elétrico. Sem negligenciar a importância da Tributação Autónoma, apesar de este imposto poder ser alvo de alteração ao longo da posse/utilização da viatura como, aliás, já aconteceu com os ligeiros de passageiros 100% elétricos e híbridos plug-in.
Nivelamento de preços, construtores e empresa cercados
A “guerra de preços” desencadeada pela Tesla e a chegada de modelos chineses à Europa está a contribuir para esbater a diferença de preço entre modelos equivalentes com motorizações diferentes: de um lado eletrificados (BEV e PHEV), do outro com motor a combustão. E isso tem ajudado alguns estados europeus a decidirem retirar ou diminuir os incentivos à aquisição dos primeiros. Afinal, há que continuar a garantir o equilíbrio das receitas fiscais provenientes do automóvel.
Há ainda o tema do “cerco ambiental” às emissões dos transportes. Se os construtores automóveis são cada vez mais apertados nas exigências de redução do nível médio de emissões da sua gama automóvel (obrigado-os a lançar mais carros 100% elétricos, criar marcas com modelos exclusivamente elétricos ou comprar “créditos de carbono” a terceiros, de forma a evitar pesadas multas), as empresas europeias são coagidas a reduzirem as emissões da sua própria atividade. E muitas já estão a fazê-lo enquanto se preparam para a etapa seguinte, aquela em que terão de exigir o mesmo aos seus fornecedores, da energia aos consumíveis, incluindo de em- presas externas, algumas certamente de pequena dimensão, que prestam serviços de vária ordem para a entidade auditada: limpeza, segurança, assistência técnica de máquinas, material de escritório e do edifício, etc..
PRR: mais energia para uma energia melhor
O apoio às empresas e a economia no esforço de convergência para a sustentabilidade, abrange também o Plano de Recuperação e Resiliência (PRR). Este instrumento de apoio, estratégico para ajudar a implementar reformas através de investimentos em áreas como a transição climática, tem aprovado projetos de vários milhões de euros provenientes de entidades públicas e privadas, alguns dos quais destinados a serem aplicados na renovação de frotas (descarbonização de viaturas) e/ou na independência e numa maior eficiência energética das entidades beneficiadas.
Tenho uma solução de carregamento; terei energia?
Subsistem, porém, desafios. De um lado a eletrificação de um parque automóvel pode não ser um processo tecnicamente complexo (ao mesmo ritmo que os automóveis evoluíram, também evoluíram técnica e tecnologicamente as soluções de carregamento e de auto produção de energia, sendo que Portugal pode orgulhar-se de ter várias empresas nacionais na vanguarda em qualquer um destes domínios), mas mais complicada pode ser a adaptação desta mesma tecnologia ao espaço físico das empresas, até porque o processo não se resolve apenas com a instalação de pontos de carregamento. É que, até aos carregadores, é necessário implantar com segurança cabos elétricos que levem energia suficiente para carregar as viaturas, assegurando previamente que existe energia elétrica com potência suficiente para o fazer, sem comprometer a produção normal da empresa.
Este é, provavelmente, um dos maiores desafios atuais, tanto maior quanto aumenta a dimensão da frota elétrica. Embora a dificuldade de escolha de modelos possa subsistir em empresas que operam na área da distribuição ou dos serviços técnicos em locais de mais difícil acesso, ou que tenham utilizadores que, pelo seu trabalho diário, tenham de percorrer longas distâncias ou transitar em condições mais difíceis, é por vezes mais fácil contornar ou adiar este “problema”, do que assegurar mais capacidade de energia em instalações situadas em áreas, sobretudo urbanas, mais antigas e sem postos de transformação de energia nas proximidades.
Queremos retornar aos carros a gasóleo?
Nem tudo, porém, são obstáculos. A adesão dos condutores ao carro elétrico parece ter sido, afinal, mais fácil do que no início se antevia. Ao ponto de alguns reclamarem ao receber como viatura de substituição uma viatura com motor de combustão e muitos destes condutores acabam mesmo por ser os melhores prescritores da mobilidade elétrica junto de familiares e amigos. Já as crescentes exigências ambientais que obrigam a uma maior complexidade técnica dos motores a gasóleo, maioritariamente presentes nas empresas até há pouco anos, são hoje várias vezes a origem de “dores de cabeça” que os responsáveis de frota agradeceriam não ter. Apesar da demora em algumas assistências a viaturas elétricas que alguns também enfrentam.
Em parte por causa do episódio “dieselgate” da Volkswagen, que “viralizou” a associação dos motores diesel a emissões mais prejudiciais, nomeadamente de óxidos de azoto (NOx) e de partículas, aumentou a perceção de insegurança deste tipo de mecânica para a saúde pública, e isso levou também mais empresas, principalmente multinacionais, a deixarem de considerar, como opção, veículos ligeiros com motor a gasóleo. A bem do ambiente mas também da sua própria imagem enquanto marca presente na sociedade. A par disso, a revisão em alta do modelo de aferição de emissões destes motores, com impacto fiscal e sobre os custos de produção, levou a que perdessem grande parte da sua competitividade.
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Financiamento sustentável
O “financiamento verde” (ou “crédito verde”) é um instrumento de dívida das empresas, que pode adquirir a forma de um contrato de empréstimo contraído junto de instituições financeiras ou a emissão de obrigações com a finalidade da entidade emissora realizar investimentos relacionados, por exemplo, com tecnologias ecológicas, de eficiência energética ou de eficiência dos recursos, projetos de economia circular ou ainda com infraestruturas de transportes e infraestruturas de investigação sustentáveis.
O objetivo deste financiamento é proporcionar acesso a capital em condições mais favoráveis, por exemplo de juro, para a sua aplicação na promoção de atividades ambiental e socialmente positivas, como a compra de bens e de serviços ecológicos ou a construção de infraestruturas verdes, por exemplo. Naturalmente, também na promoção de modelos de mobilidade mais sustentável.
Importa destacar também o interesse das entidades financeiras em promover este tipo de produto de financiamento sustentável. É que, tal como as empresas, que ao utilizarem o capital vão gerar condições para melhorar os seus relatórios de sustentabilidade, também as instituições que financiam este tipo de projetos veem melhorados os seus indicadores ambientais. Um benefício para ambas as partes com dividendos para a sociedade.