“Somos um parceiro imprescindível”
Roberto Gaspar é, desde há alguns meses, o novo secretário-geral da ANECRA. A sua experiência em várias empresas no sector automóvel traz ideias que podem aumentar o apoio prestado pela associação, como a entrada no sector de usados
Com um grande foco na sustentabilidade das empresas que tem como associadas, o novo secretário-geral da ANECRA destaca muitas vezes o serviço que pode ser entregue por uma associação como esta. Colocando-se do lado dos operadores independentes de reparação e comércio, mas sem desconsiderar representantes oficiais de marcas (que fazem, aliás, parte dos órgãos de direção), a aproximação ao sector dos usados é já visível, com a organização do primeiro encontro para profissionais do género. Roberto Gaspar, com longa carreira no sector automóvel, sobretudo em usados e gestão de frotas, parece ser a pessoa certa no momento certo. Os desafios que as empresas do sector automóvel enfrentam são enormes e, isoladamente, como explica, não vão conseguir sobreviver.
Este ano, a ANECRA organizou um evento para usados, mostrando claramente que quer apostar nesse sector. Qual é o papel da associação junto dos diferentes sectores que representa?
Uma associação tem sempre na sua génese defender os interesses desse sector. O que nós percebemos é que a lógica de levar serviço aos associados é cada vez mais determinante. Não chega a lógica do associativismo pela lógica da representatividade; ajudar os associados a serem mais sustentáveis é fundamental numa associação.
Os usados vêm no seguimento desta ideia. Temos cerca de 600 associados com CAE de comerciante de usados. Percebemos quais são os seus desafios e procuramos ajudar. Fomos falar com o mercado e o encontro é o ponto de partida para a nossa estratégia. Queremos é ajustar a comunicação e a oferta de serviços à tipologia de cada um dos nossos associados.
Que serviços pensam lançar para cada um destes segmentos?
Serviços associados que percebamos que acrescentem valor. A área mais forte da associação sempre foi claramente a reparação. Vamos lançar um serviço destinado ao pequeno reparador que lhe permita aceder a informação técnica com preços muito mais convenientes para si. Para os usados, vamos lançar um serviço de certificação, à semelhança do que fizemos com o Oficina+.
Que ligação veem entre o sector da reparação e dos usados?
Convém dizer que a realidade do comércio de usados está a mudar muito rapidamente. Temos hoje empresas neste sector que são exemplos de excelência em gestão. Não havia grandes operadores, o retalho está a ir buscar rentabilidade aos usados, as gestoras desenvolvem canais próprios. Os operadores grandes têm reparação dentro de casa e têm condições de referência para esses serviços. Temos muitos associados com atividade nas duas vertentes.
Os próprios operadores do mercado automóvel estão a trabalhar cada vez com mais valências. Como é que olha para isto?
Acho que a indústria automóvel está a sofrer a maior transformação desde há 100 anos. Vivemos vários processos em simultâneo com uma capacidade disruptiva enorme individualmente, quanto mais conjugados. O negócio automóvel vai pertencer cada vez mais a operadores de dimensão, como as gestoras de frota ou operadoras de mobilidade. E aí as compras às marcas vão ser centralizadas pelas marcas. Um operador de novos corre o risco de ser meramente um operador logístico a curto prazo.
Em Portugal, podemos falar da mesma evolução?
Julgo que estamos a falar de velocidades diferentes. Um dos sectores que se terá adaptado melhor foi um sector tradicionalmente mal tratado, o dos usados. Mas ninguém soube incorporar melhor quais eram as vantagens da internet. Se hoje há grandes operadores em sítios pouco prováveis, foi porque fizeram uma aposta fantástica no digital.
É do interesse de uma associação como a ANECRA tomar o papel de defesa de um sector como o do retalho de novos, com um movimento associativo muito menor do que em Espanha, por exemplo?
Acho que cada vez mais. Um papel como o da defesa dos interesses dos concessionários junto das marcas tem que ser feito cada vez mais por uma associação independente como a ANECRA, que não tem absolutamente nenhumas ligações aos fabricantes.
Como é que as marcas e os concessionários conseguem uma convivência pacífica, dadas as regulações do Block Exemption?
Tens dois níveis do Block Exemption, um comercial e outro da reparação. O primeiro regula a relação entre o fabricante e o distribuidor. Existem regras que têm que ser minimamente cumpridas para que não tenhamos um mercado completamente desregulado. Senão, quem paga é o elo mais fraco da cadeia. Mas internamente, convivemos muito bem com isso. Temos membros de direção de um lado e do outro que convivem pacificamente.
De que forma vê a entrada das oficinas nas redes e na sua relação com as gestoras de frota?
O facto de entrar numa rede não significa que tenha que trabalhar com uma gestora de frota. Há duas realidades. Uma é a relação das gestoras de frota com as oficinas oficiais de marca, onde a relação é complicada. Com as oficinas independentes, as margens são um pouco mais interessantes, dado que é possível utilizar peças de qualidade equivalente – que, no fundo, são as mesmas com embalagens diferentes.
O sector automóvel nacional é muito pobre em estatísticas. A nível de usados ou reparação, por exemplo, estão a pensar desenvolver algum trabalho?
Sim, a vários níveis. Nos usados, vamos ter parcerias, como por exemplo com a Indicata. E teremos ainda mais entidades que se vão associar a nós. É uma das áreas mais importantes que temos para tratar. É um processo importantíssimo: é muito difícil sabermos para onde vamos, sem sabermos de onde vimos.
Que outros objetivos têm a curto prazo?
Queremos continuar a combater a economia paralela, que é um tipo de concorrência desleal que afeta bastante os nossos associados. Outro aspeto é a fiscalidade automóvel, cujo modelo tem que ser reformulado. O modelo de incentivo às viaturas elétricas, por exemplo, não faz sentido porque se está a incentivar a compra de viaturas fora da capacidade de compra das pessoas. Julgamos ainda que é importante fazer novamente um programa de incentivo ao abate e achamos que seria importante abri-lo também para viaturas usadas e semi-novas.
O tema da vossa convenção foi “Horizonte 20/30: Que automóvel? Que negócio?” Como é que a ANECRA se vê daqui a 10 anos?
Como um parceiro imprescindível para os nossos associados. Cada vez mais vão precisar de uma entidade que os apoie do ponto de vista de informação e de formação. O negócio será cada vez mais complexo e a ANECRA tem um papel cada vez maior nessa transição. O nosso papel é ajudar as empresas a manterem-se empresas sustentáveis.