Em 2023, a Astara Portugal conseguiu o melhor resultado de sempre no nosso país. Com mais uma marca, mais modelos e mais serviços, o seu potencial de crescimento pode apenas ser menor se persistir algum arrefecimento do mercado. Porque argumentos para crescer existem. E sobre a urgência da transição energética, o entrevistado lembra que não basta haver disponibilidade de carros elétricos para ela poder acontecer
No ano passado, a Astara Portugal comemorou 25 anos de presença em Portugal. O antes nomeado grupo Bergé Auto (só em 2021 assumiu a designação atual) entrou no mercado português em 1998 com a representação das marcas americanas Chrysler e Jeep, acrescentando a Kia em 2004 e a Isuzu em 2006.
Com a aquisição do negócio da Mitsubishi Motors Portugal (MMP), a Bergé Automoción adquiriu também o controlo da subsidiária da MMP, a Univex, cuja sede corresponde à morada atual da Astara Portugal.
Francisco Geraldes, hoje CEO da Astara Portugal, integrou o grupo pioneiro que trouxe para Portugal a Chrysler e a Jeep, enquanto diretor de Marketing & Relações Publicas.
Já sob a liderança do entrevistado, a Astara Portugal terminaria 2023 celebrando o feito de ter sido o melhor ano do grupo no nosso mercado, quer em volume de negócios, como no número de viaturas vendidas entre todas as marcas representadas: um total de 13.152 unidades, incluindo veículos novos e usados, com a Kia a ser responsável por mais de 50% do volume de vendas da Astara Portugal no ano passado.
Além desta marca coreana, a que nos veículos de passageiros tem mais sucesso nas empresas e em muitos organismos públicos, a Astara Portugal representa a Mitsubishi, FUSO, Isuzu, Maxus e Piaggio, a que se junta a KGM em 2024, herdeira da coreana SsangYong.
Qual foi o contributo das empresas para o resultado obtido em 2023?
O contributo das empresas foi decisivo. Por dois motivos: primeiro, porque parte das marcas só oferece veículos comerciais que são maiori- tariamente adquiridos por clientes profissionais, incluindo organismos públicos e empresários em nome individual. Refiro-me à FUSO, Isuzu, Maxus e Piaggio. Depois, obviamente, a Kia, a Mitsubishi, as que têm maior volume.
O modo como o mercado automóvel está repartido em Portugal, com o dos particulares bastante reduzido, leva a que o canal empresas, sejam grandes contas, PME, ENI, estado, autarquias, rent-a-car, assuma grande importância. Tanto vendendo diretamente através dos nossos concessionários, seja através de gestoras de frota. São uma parte expressiva do mercado automóvel em Portugal.
Mas é possível quantificar a participação das empresas no volume total de vendas da Astara Portugal, segmentando rent-a-car e o negócio buyback?
Com os rent-a-cars cerca de 70%, sem os rent-a-cars 40%. Incluímos as gestoras de frotas. As PME, maioritariamente vendas a partir dos nossos concessionários, beneficiam de programas e condições específicas para potenciar as vendas. O Estado, não sendo tratado como uma empresa mas tendo condições especiais, é um negócio muito especial: tanto adquirem através de renting, como compram diretamente; tanto através do município, como através de uma secretaria-geral ou de uma parceria pública.
Por isso, todos os canais de venda obrigam a processos de compra ou produtos que têm que ser adaptados, ou pela natureza dos próprios carros, ou pelos serviços que estão associados aos carros. E nós dispomos de ferramentas específicas a apoiar e a desenvolver esses produtos.
Como é que as diferentes marcas do grupo concorrem entre si, já que algumas disputam o mesmo mercado?
O primeiro contacto com os clientes é muitas vezes feito através das concessões ou com as vendas diretas. Hoje em dia, as concessões são na grande maioria multimarca, há marcas lado a lado. O cliente já tem a experiência de comprar num ambiente em que estão outras marcas, mas obviamente que nós asseguramos que as marcas e os nossos concessionários respeitem o espaço de cada marca.
Isso também acontece quando se trata de um negócio B2B. Nas vendas a empresas, feitas através dos nossos concessionários ou através das nossas equipas diretamente, geralmente são os clientes que escolhem. Já sabem o que procuram. Depois há os concursos; nós não excluímos nenhuma marca de um concurso. Se é um concurso para modelos pick-up colocamos a Isuzu e, agora, também a pick-up da KGM, a Musso. Apresentamos duas propostas, mesmo sabendo que, no caso de um concurso público, a decisão é totalmente racional, ou seja, se os carros cumprirem com os requisitos do concurso, a proposta geralmente escolhida é a mais barata.
Já quando envolve empresas gestoras de frota, concorrendo com produtos iguais, com preços iguais, os valores residuais são muitas vezes determinantes, ou então os clientes preferem mais uma marca do que outra. O nosso trabalho é fazer as propostas, o cliente é que escolhe. Porque é o cliente quem compra os carros.
Não há então o risco de uma marca sentir que está a ser preterida por outra marca?
Não vejo em que seria diferente se fossemos importador exclusivo de uma só marca. Ter várias traz até algumas vantagens. Na escala de um país como o nosso, com um mercado pequeno, com volumes muitas vezes pequenos, uma só marca não consegue manter determinados recursos, que não são visíveis aos clientes, na área da pós-venda, na área financeira, nas áreas comerciais… Num grupo temos um departamento articulado para vendas a empresas, partilhamos know-how nas vendas a rent-a-car, nomeadamente no remarketing e, se tivéssemos de replicar isto em cada uma das marcas, seria inviável. Se calhar só as marcas maiores é que teriam, não haveria aproveitamento de sinergias que um grupo pode garantir.
Qual é o desafio, por vezes? É manter as equipas focadas em cada marca! Porque a KIA não tem nada a ver com Mitsubishi, nem está interessada na Mitsubishi e vice-versa. Nas marcas de comerciais temos de ter equipas que percebam os desafios de cada marca, que percebam os requisitos e enquadramento de cada marca e competirem, ainda que, em última instância, quem decida sejam os consumidores.
A Astara assume-se como uma empresa de mobilidade com soluções complementares que podem interessar às empresas. Pode detalhar alguns desse produtos e soluções, nomeadamente o recém-lançado serviço Astara Subscrição, e que expectativas depositam no sucesso desses produtos em Portugal?
A digitalização vem trazer oportunidades de novos negócios a empresas que antigamente só se dedicavam ou à distribuição ou ao comércio. Aos próprios fabricantes aparecem novas soluções para a venda de carros de forma digital, para oferta de novas soluções como o serviço de subscrição, que está a surgir em muitos países com ritmos diferentes e com produtos diferentes.
Na área da conectividade também é possível propor novos serviços ao cliente, que antes era impossível. No grupo criámos uma empresa que se chama Astara Connect, que permite replicar algumas soluções já conhecidas mas ajustadas ao que cada marca oferece, às especificidades de cada modelo automóvel, com serviços adicionais de gestão de frota, por exemplo.
Em Portugal ainda não lançamos o Astara Connect, mas já temos o Astara Subscrição, que está a ser progressivamente introduzido em alguns países. É um modelo de negócio, a subscrição, algo que está entre o aluguer diário e o aluguer de médio prazo, algo entre o que é feito pelos rent-a-cars e o que é feito pelas gestoras de frota. Oferece mais flexibilidade do que a compra para clientes que não querem ter compromissos muito longos, que querem ter mais flexibilidade na sua escolha. Hoje um modelo de carro, daqui a umas semanas outro tipo de veículo…
É um modelo de negócio ainda em teste, em pequena escala. Estamos a aprender. Já lançámos em Portugal, não temos muitos carros em frota, estamos a perceber o que os clientes querem e do que gostam. O cliente pode subscrever um automóvel de um mês até 24 meses, pode subscrever um veículo de passageiros ou um veículo comercial e não é um serviço só para as nossas marcas.
Como em Espanha, que engloba carros do grupo Stellantis?
Da Stellantis, Mercedes-Benz… Conseguindo ter frotas eficientes para alugar aos clientes, diria que vamos evoluir oferecendo os modelos que são mais vendidos em cada país. O Astara Subscrição terá carros de todas as marcas, será multimarca.
É um modelo de negócio que ainda está a ganhar maturidade e há mais empresas a propor serviço de subscrição em Portugal. Em países mais maduros do norte da Europa está a desenvolver-se mais depressa, surgiram mais empresas dedicadas só à subscrição. Nós estamos a aprender, estamos a tentar introduzir modelos novos, vamos aprendendo como os clientes se adaptam melhor a umas maturidades do que outras e penso que os próprios clientes também estão a aprender, a perceber como funciona.
Talvez porque a posse do automóvel em Portugal seja ainda algo muito forte, muitos particulares preferem ter um carro, mesmo que usado, do que aderir a um serviço de subscrição…
Quando se começou a pensar na lógica da subscrição e da flexibilidade, nos estudos iniciais girava tudo um pouco à volta do cliente particular. Mas onde temos mais sucesso, em Espanha é onde estamos mais avançados, começa a ser junto das empresas. Porque as empresas têm frotas que são ocupadas de modo permanente pela pessoa A ou B, mas quando há picos de trabalho, quando o colaborador de outro país se desloca a Portugal, quando arranca um projeto novo… à medida que vamos conhecendo as necessidades dos clientes e à medida que os clientes vão percebendo a vantagem do serviço que, em vez de comprarem um carro que vai estar parado grande parte do tempo ou vai ser utilizado só durante aquele projeto e depois não sabem o que fazer com ele, vão descobrir que há uma solução que pode não ser apenas para uma semana, mas que também não é para quatro anos.
Claro que também vai depender de cada país e da importância que a fiscalidade pode ter para a forma como as empresas adquirem automóveis. A subscrição ainda é um produto novo e eu não vejo ainda um regime fiscal muito adaptado a isto.
Como é que as várias equipas da Astara Portugal estão preparadas para responder à assistência a veículos como híbridos plug-in e 100% elétricos?
Seguindo o plano de serviços de pós-venda de cada marca. Numa lógica de grupo conseguirmos alavancar o nosso know-how técnico, a nossa capacidade de formar e preparar e equipar as concessões. Já estamos a vender veículos elétricos ou eletrificados há muito tempo e se numa fase inicial podia haver desconhecimento, agora há uma evolução exponencial porque os carros têm uma complexidade muito baixa. A complexidade técnica é muito menor, os problemas são muito menores, há muito menos após-venda num carro eléctrico que há num carro a combustão. As redes estão preparadas, todas têm zonas específicas para verificar e reparar baterias. A primeira experiência que tivemos com veículos eletrificados foi com a Mitsubishi, com os plug-ins. Agora está massificado e, como os concessionários são cada vez mais multimarca, isso também permitiu-lhes alavancar o conhecimento e torna mais fácil partilhar experiências.
Como diretor-geral de uma empresa com várias marcas com oferta PHEV e BEV, como encara o atual momento de alguma retração do mercado?
A transição energética que foi iniciada é uma decisão política. Ganha esta dimensão pelo interesse político. Isso foi transferido através de regulação, na regulação imposta aos carros a combustão, na regulação dos prazos para fazê-lo, obrigando a acelerar a introdução de carros elétricos para reduzir emissões.
Há um período de adaptação, porque produzir um carro não acontece de um dia para o outro. Se quiser um veículo elétrico não o tenho amanhã. Acho que as marcas, globalmente, fizeram bem o trabalho de casa, fizeram os investimentos necessários, desenvolveram os produtos, ajustaram as capacidades de produção e hoje existem imensos produtos. Os produtos que estão a ser apresentados hoje não foram decididos ontem, foram decididos há três/ quatro/cinco anos e houve que criar condições para os poder ter.
Em paralelo, politicamente, também houve regulamentação para obrigar a criar infraestrutura privada nos condomínios, para obrigar a ter carregadores quando se constrói um prédio novo, para criar uma infraestrutura de carregamento nas cidades, nos espaços públicos, etc.. E esse trabalho está muito longe de estar acabado, a transição energética não é instalar meia dúzia de carregadores para inaugurar, tem de resolver-se o problema da carga real na vida das pessoas na utilização da infraestrutura.
Um carro elétrico tem custos de produção mais avultados do que o carro a combustão. A Europa decidiu e a maior parte dos países europeus criou benefícios, ou incentivos, para ajudar e estimular essa transição. Quando dizemos que baixou na Europa, baixou em alguns países que retiraram esses benefícios.
A transição energética está longe de estar terminada e não acontecerá em 24, nem em 25, nem em 26 anos. Isto é uma corrida de fundo e há vários fatores que, se forem melhorados, irão afetar positivamente essa transição; se não forem melhorados vão afetar negativamente. Por isso, incentivar ajuda.
Quanto à infraestrutura, Portugal até tem feito um ótimo trabalho em comparação com alguns países da Europa. Hoje há soluções para carregar em casa, nos condomínios, no trabalho, através da rede pública, mas tem de se continuar progressivamente a melhorar estas condições.
Se se apoiar de alguma forma, se se aproximar o preço, mais consumidores vão considerar a compra de um carro elétrico. Se não se fizer vai demorar mais tempo para que as pessoas tenham meios para o fazer. Além de que montar uma infraestrutura demora tempo e há empresas – aconteceu connosco – que tiveram de substituir o Posto de Transformação e as cablagens do edifício para instalar carregadores. E não é apenas um tema económico, há limitações e, no nosso caso, demorou nove meses entre decidir e fazer.
Portanto, mais uma razão para termos de ajustar expectativas de tempo, para ser possível fazer essa transição de forma viável e a um custo viável.
Vai demorar o seu tempo. Veja o caso dos veículos comerciais: as pessoas podem ir de transporte público mas e as mercadorias nas cidades? E a recolha de lixo? E todo o abastecimento logístico de uma cidade, como se faz sem eletrificar todos os veículos comerciais e se demorarmos 20 anos a conseguir fazê-lo?