O Sistema de Normalização Contabilística (SNC), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 158/2009, de 13 de julho, introduziu um novo normativo contabilístico em Portugal. As locações passaram a estar enquadradas na Norma Contabilística e de Relato Financeiro (NCRF) n.º 9 – “Locações”.
Neste artigo, pretende-se lançar algumas luzes sobre o tratamento contabilístico e fiscal relativo às locações operacionais. Para tal, será abordado inicialmente o enquadramento contabilístico, sendo analisado, num segundo momento, o impacto da fiscalidade, particularmente na aceitação dos gastos fiscais e da sujeição a tributações autónomas.
A NCRF 9 não trouxe alterações substanciais à classificação de uma locação como financeira ou operacional, uma vez que os critérios estabelecidos na Diretriz Contabilística n.º 25/98 são idênticos aos critérios estabelecidos nos parágrafos 7 a 18 da NCRF 9, tendo ambos como base as regras estabelecidas na IAS 17 (entretanto substituída pela IFRS 16).
Quando estamos perante uma locação, para efeitos contabilísticos, é necessário aferir se estamos perante uma locação financeira ou operacional. A tipificação da locação deverá ser sempre o primeiro procedimento na análise.
De acordo com o disposto na norma, a classificação de uma locação como financeira ou operacional depende da substância da transação e não da forma do contrato.
São tipificados alguns exemplos de situações que podem normalmente conduzir a que uma locação seja classificada como uma locação financeira, conforme Gráfico 1.
Na norma são enumerados outros indicadores de situações que, individualmente ou em combinação, podem também conduzir a que uma locação seja classificada como financeira.
Os exemplos e indicadores enunciados na norma nem sempre são conclusivos. Assim, se for claro, com base noutras características, que a locação não transfere substancialmente todos os riscos e vantagens inerentes à posse, a locação é classificada como locação operacional. Por exemplo, pode ser o caso se a propriedade do ativo se transferir no final da locação mediante um pagamento variável igual ao seu justo valor no momento, ou se existirem rendas contingentes, como resultado das quais o locatário não tem substancialmente todos os riscos e vantagens.
Podemos concluir que a mera existência de uma cláusula de opção de compra não é determinante para a classificação da locação. Deve efetuar-se uma análise para se verificar se o montante da opção de compra se espere que seja suficientemente mais baixo ou mais alto do que o justo valor à data em que a opção se torne exercível, de modo a que se espera que, no início da locação, seja razoavelmente certo ou incerto que essa opção seja exercida.
Locação operacional
Assim, uma locação pode ser classificada como operacional, quando a propriedade do ativo se transfere no final da locação, mediante um pagamento variável igual ou superior ao seu justo valor no momento ou se existirem rendas contingentes, como resultado das quais o locatário não tem substancialmente todos os riscos e vantagens. E ainda quando existe opção de compra, o seu valor não é substancialmente inferior ao justo valor na data de opção e a duração do contrato não cobre a maior parte do período de vida económica do ativo subjacente ao contrato. Se existirem outras características que indiquem que não há transferência de todos os riscos e vantagens inerentes à posse, classificar-se-á esse contrato de locação como operacional.
Nos termos da NCRF 9, os pagamentos de uma locação operacional devem ser reconhecidos como um gasto numa base linear durante o prazo da locação, salvo se uma outra base sistemática for mais representativa do modelo temporal do benefício do utente.
A fiscalidade, especificamente o Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (CIRC), acolheu o SNC como referencial contabilístico, mantendo-se a estreita ligação entre contabilidade e fiscalidade.
A manutenção do modelo de dependência parcial determina, desde logo, que, sempre que não estejam estabelecidas regras fiscais próprias, se verifica o acolhimento do tratamento contabilístico decorrente das novas normas.
Assim, os gastos contabilizados nos resultados do período, em resultado das locações operacionais, são aceites como gastos fiscais em termos de IRC, desde que comprovadamente sejam destinados a obter ou garantir a obtenção de rendimentos sujeitos a IRC, conforme decorre do CIRC. Tratando-se de viaturas a serem utilizadas para promover as receitas da empresa, parece possível que tais encargos cumpram com este princípio.
Não obstante, tratando-se de viaturas ligeiras de passageiros utilizadas em locação operacional, o CIRC prevê uma limitação no valor aceite para esses encargos enquanto gasto fiscal. Quanto a essas limitações fiscais, o CIRC estabelece um tratamento fiscal similar independentemente de a viatura ter sido adquirida, utilizada numa locação financeira ou numa locação operacional.
Essas limitações fiscais decorrem das taxas de depreciação, bem como dos valores limite de aquisição aceites para efeitos fiscais, para as viaturas ligeiras de passageiros ou mistas (observar tabela 1).
Tabela 1 – Valores limite de aquisição aceites para efeitos fiscais para viaturas ligeiras de passageiros ou mistas adquiridas nos períodos de tributação que se iniciem em 1 de janeiro de 2015 ou após essa data
Valor limite | Características da viatura |
---|---|
62.500 euros | Veículos movidos exclusivamente a energia elétrica |
50 mil euros | Veículos híbridos plug-in |
37.500 euros | Veículos movidos a gases de petróleo liquefeito ou gás natural veicular |
25 mil euros | Restantes viaturas |
Nota: Montante a que se refere a alínea e) do n.º 1 do artigo 34.º do CIRC e na Portaria n.º 467/2010, de 7 de julho. |
Para as viaturas utilizadas por uma empresa em regime de locação operacional, com pagamentos de aluguer mensal por essa utilização, o gasto contabilizado, a ser considerado para efeitos fiscais, deve ser determinado de acordo com o limite previsto na tabela 1 apresentada, e explicados pela Circular n.o 24/91, de 19/12, emitida pela Direção de Serviços do IRC. Convém salientar que os dados previstos nessa Circular, para a determinação do gasto fiscalmente dedutível em IRC, devem ser atualizados para os limites fiscais atualmente previstos CIRC.
Tal como referido nas regras da Circular 24/91, para a determinação do limite fiscal, não se deve ter em conta o montante total pago pela renda de locação da viatura, mas o montante da amortização financeira.
Não se consideram quaisquer montantes pagos relacionados com o juro implícito na renda, bem como, com os outros encargos variáveis, como manutenções, seguros, fees de gestão, impostos de circulação, etc.. Estes encargos são aceites fiscalmente, sem a aplicação da limitação referida no CIRC.
O Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) suportado não dedutível relacionado com a amortização financeira deve ser tido em conta para a determinação do gasto aceite em termos fiscais, bem como o respetivo valor residual do contrato de locação.
No caso de o montante da amortização financeira ser inferior ao referido limite máximo, essa diferença pode transitar para o período seguinte, adicionando-se esse excesso ao limite máximo desse período seguinte, conforme parte final do ponto 2 da referida Circular n.º 24/91.
Quando o montante anual da amortização financeira for superior ao referido limite máximo anual, o respetivo excesso deve ser acrescido na determinação do lucro tributável de IRC desse período.
No ano de início e final do contrato, devem ser considerados valores diários para determinar o referido limite máximo.
Valor de aquisição nos contratos de locação operacional
Quanto ao valor de aquisição a considerar nos contratos de locação operacional, este deve incluir o montante utilizado para a determinação das rendas, antes de ser considerado qualquer valor residual contratual, caso exista e esteja previsto no contrato, adicionado do montante do IVA não dedutível, conforme tem sido entendimento da Autoridade Tributária e Aduaneira (1).
Conforme se verifica, a aceitação fiscal dos encargos com as rendas da locação operacional, é similar à aceitação das depreciações contabilizadas como gastos. O objetivo da norma fiscal é a da aplicação de limitações fiscais idênticas para os encargos com viaturas ligeiras de passageiros ou mistas, independentemente da opção de investimento ou financiamento utilizado pela entidade.
No caso dos encargos com a amortização financeira da locação operacional (por exemplo, ALD) superarem o limite fiscal previsto, ou seja, se o montante dessa amortização financeira for superior ao montante da depreciação contabilística relevante fiscalmente (atendendo aos limites em função do custo de aquisição), esse excesso deve ser acrescido na determinação do lucro tributável do período de tributação.
Ainda sobre esta temática, importa atender que, relativamente aos encargos, independentemente de os mesmos serem ou não dedutíveis para efeitos do cálculo do lucro tributável, poderá ocorrer a incidência de tributação autónoma.
De acordo com o CIRC, são tributados autonomamente os encargos efetuados ou suportados por sujeitos passivos que não beneficiem de isenções subjetivas e que exerçam, a título principal, atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, relacionados com viaturas ligeiras de passageiros, viaturas ligeiras de mercadorias referidas na alínea b) do n.o 1 do artigo 7.º do Código do Imposto sobre Veículos, de acordo com as taxas previstas na Tabela 2.
Nota: conjugação do disposto nos n.º 3, 14, 18 e 20, todos do art.º 88.º do CIRC.
* com as alterações introduzidas pela Lei do Orçamento do Estado para 2023.
** a Lei do Orçamento do Estado para 2023, no seu artigo 230.º, prevê que o n.º 14 do artigo em apreciação, que prevê o agendamento das taxas de tributação autónoma em dez pontos percentuais quanto aos sujeitos passivos que apresentem prejuízo fiscal, não seja aplicado nos períodos de tributação de 2022 e 2023, desde que observados determinados requisitos.
Exemplo prático
Por forma a concretizar o anteriormente referido, admitimos a título exemplificativo a contratação de um ALD (Aluguer de Longa Duração), em 1 de abril de 2023, de uma viatura elétrica que teria um custo de aquisição de 80 000 euros (IVA Incluído). A opção pelo regime do ALD, pelo prazo de 6 anos, implica uma renda mensal de 1.025,30 euros (IVA incluído) com uma entrada inicial de 4.000 euros (IVA incluído). Assim, estando o contrato classificado como uma locação operacional, nas demonstrações financeiras do locatário, as rendas da locação deverão ser reconhecidas como um gasto numa base linear durante o prazo da locação.
Deste modo, independentemente da forma de pagamento das rendas, haverá que reconhecer um gasto uniforme ao longo do período da locação, dando cumprimento ao princípio contabilístico de balanceamento entre os benefícios (da utilização do bem) e os gastos.
Quer isto dizer, ainda que mesmo quando a primeira renda seja paga por um valor inicial mais elevado do que as restantes rendas, o gasto a reconhecer no período corresponderá apenas à parte proporcional desse período, diferindo-se o restante para períodos futuros, respeitando o pressuposto do regime do acréscimo (4.000 euros/72 rendas = 55,55 euros). Importa ressalvar que a entrada inicial não é comum existir em contratos empresariais, não obstante para efeitos exemplificativos foi aqui considerada.
Assim, contabilisticamente, poderão ser diferidos os gastos no momento do pagamento sendo posteriormente reconhecidos nos períodos a que respeitam, conforme a tabela que se encontra adiante.
Excluem-se da sujeição a tributações autónomas, os respetivos encargos suportados pelo sujeito passivo, quando relacionados com:
- Viaturas ligeiras de passageiros, motos e motociclos, afetos à exploração de serviço público de transportes, destinados a serem alugados no exercício da atividade normal do sujeito passivo;
- Viatura automóvel relativamente à qual tenha sido celebrado acordo escrito entre o trabalhador ou membro do órgão social e a entidade patronal sobre a imputação àquele da referida viatura automóvel.
Referir, por fim, que relativamente à taxa de tributação autónoma aplicável aos encargos provenientes dos contratos de rent-a-car, ou seja, contratos de aluguer sem condutor por períodos muito curtos, por períodos iguais ou inferiores a três meses que não sejam renováveis, para viaturas ligeiras de passageiros ou mistas, de acordo com o entendimento da Autoridade Tributária e Aduaneira (2), os encargos provenientes dos contratos de rent-a-car, são considerados encargos relacionados com as viaturas em causa, sendo assim sujeitos a tributação autónoma.
Não se tratando de aquisição nem de situação assimilável a aquisição, a taxa de tributação autónoma aplicável a estes encargos será à taxa reduzida (10% ou 2,5%, consoante o tipo de viatura, conforme Tabela 2). Relativamente às viaturas totalmente elétricas será importante perceber a posição da Autoridade Tributária e Aduaneira quanto a esta questão, considerando que apenas estarão sujeitas as viaturas com custo de aquisição superior a 62.500 euros, pelo que se admite que possam continuar sem sujeição de tributação autónoma. Note-se ainda que estes encargos são, por regra, integralmente dedutíveis, desde que necessários para a obtenção de rendimentos tributáveis.
Por fim, importa considerar que a adoção no normativo contabilístico do tratamento previsto na Norma Internacional de Relato Financeiro (IFRS) 16 – Locações, pode ditar alterações ao pressuposto neste artigo.
Assim, os contratos de locação atualmente reconhecidos como operacionais passarão a ser reconhecidos como ativos fixos tangíveis, bem como o passivo da locação pelo prazo do contrato.
NOTAS
(1) Informações Vinculativas, Processo 2011 004399, com despacho do subdiretor-geral, de 30/03/2012 e processo 2012 003690, com despacho do subdiretor-geral, substituto legal do diretor-geral, de 02/07/2013.
(2) Informação Vinculativa, Processo 2012 001228, com despacho da subdiretora-geral, de 21/05/2012, proferido por delegação de competências.
Nota: os gastos aceites fiscalmente e as taxas de tributação autónoma consideradas para o exemplo são as que se encontram em vigor em 2023;
* conforme referido para as viaturas elétricas, o valor de aquisição aceite fiscalmente são os 62.500 euros. Assim, e de acordo com as instruções da Circular n.º 24/91, não se aceitará como custo o resultado da diferença entre o valor da amortização financeira incluída nas rendas pagas e o valor da depreciação máxima, correspondente ao mesmo período de tempo, que poderia ser praticada caso a viatura tivesse sido adquirida diretamente. Assim, é fundamental que o locatário procure saber qual o valor de aquisição da viatura e qual o valor da amortização financeira incluída nas rendas e efetue o controlo extra contabilístico. Admitimos a título exemplificativo que o valor da amortização financeira incluído na renda apresentada representa 900 euros. A depreciação anual praticada à taxa máxima caso a viatura tivesse sido adquirida seriam 15.625 euros (62.500 uros x 25%, taxa prevista no Decreto-Regulamentar n.º 25/2009, de 14 de setembro).
** a tributação autónoma será calculada pelo produto do gasto mensal x número de rendas do ano x 10% (tributação autónoma para viaturas elétricas com valor de aquisição superior a 62.500 euros, admitindo um cenário sem prejuízo fiscal);
*** considerando que nos casos em que a amortização financeira seja, num determinado ano, inferior à referida depreciação máxima, a diferença é tida em conta para efeitos do cálculo da diferença a não considerar como custo em anos seguintes.