Quem mais sente os efeitos do novo choque da mobilidade é a indústria automóvel, que procurar reagir às transformações e proporcionar alternativas
Historicamente, a evolução da Humanidade tem estado assente nos critérios da liberdade e da mobilidade, andando estas duas de mãos dadas ao longo dos anos com o objetivo, sempre primordial, de melhorar as suas condições de vida.
No culminar desse progresso, vive-se atualmente um momento ímpar na história da mobilidade: nunca, como hoje, houve tantas e tão variadas opções de movimentação e de liberdade, numa onda transformadora que abarca cidadãos, empresas, tecnologia e até os próprios princípios urbanísticos das grandes cidades, cada vez mais a sofrer de superpopulação e dos efeitos da poluição.
Em cima da mesa estão diversas temáticas que, não estando isoladas, cruzam-se entre si – sobretudo no que diz respeito à eletrificação, à partilha de veículos e à conectividade, palavra que assumiu contornos de inevitabilidade no grande cenário da sociedade atual.
Num sentido mais lato, estas vertentes estão a provocar novos movimentos a que até mesmo os construtores automóveis têm de se adaptar, procurando eles próprios entrar em novos segmentos de atuação nos quais não tinham peso.
A jogada elétrica
Iniciada em definitivo no início da década de 2010, a tendência massiva de eletrificação ganhou nos últimos anos uma vitalidade que surge espelhada na cada vez maior lista de opções de veículos 100% elétricos ou, noutra variante, híbridos Plug-in.
Compreendendo a importância de um segmento que está a ganhar espaço significativo nos principais mercados mundiais (com a China à cabeça), mas também forçados pelas normas anti-poluição cada vez mais restritivas (sobretudo, na Europa), os construtores automóveis lançaram-se na procura de soluções elétricas.
O ritmo do ‘arranque’ não foi igual para todos: alguns deram os primeiros passos ainda numa fase embrionária da eletromobilidade e colhem hoje os frutos, como são os casos da Nissan (Leaf e e-NV200), da BMW (i3), da Daimler (smart Electric Drive e Mercedes-Benz Classe B), da Renault (ZOE, Twizy e comerciais elétricos) ou da Tesla (Model X, S e 3).
A esta última é imputada uma grande parte da responsabilidade na disseminação dos elétricos, aliando estética mais consensual a uma série de funcionalidades avançadas que mantêm a marca como uma das mais desejadas.
Outros, como o Grupo Volkswagen, Hyundai-Kia ou Honda, arrancaram mais tarde, mas procuram recuperar o tempo perdido, preparando já uma série de gamas elétricas que chegarão em força nos próximos anos, à medida que tomam a decisão de reduzir as suas gamas no sentido de cumprirem com as normas mais restritas de emissões poluentes para a próxima década.
Na Mercedes-Benz, por exemplo, esperam-se dez modelos elétricos até 2022, enquanto na Audi o plano passa pelo lançamento de 20 novos elétricos até 2025. As demais marcas não fogem a este registo de eletrificação, com planos mais ou menos semelhantes para evitarem pesadas multas devido às emissões de CO2.
Smartphone é chave
A aposta na tecnologia elétrica assume-se ainda como um dos pontos essenciais da automatização e dos esquemas de partilha de veículos nas grandes cidades, solução conhecida como ‘car-sharing’ e que é apontada como um formato mais funcional e ecológico de mobilidade urbana.
Assente em aplicações digitais, este método de mobilidade liberta ‘amarras’ da propriedade automóvel, possibilitando, em teoria, a utilização de um automóvel ou moto de forma mais eficiente (com a consequente libertação do espaço de estacionamento) e sem que o condutor/utilizador tenha de se preocupar com os custos inerentes à posse de um automóvel.
De forma muito simples: utiliza o veículo quando e como quiser (num regime free float, mas em regiões delimitadas), com custos controlados à distância de um smartphone. Autênticos centros de comando, estes aparelhos, descendentes dos arcaicos telemóveis, permitem hoje uma grande quantidade de utilizações, sobretudo em termos de mobilidade.
Naturalmente, sendo um negócio em crescimento, também os construtores automóveis já se lançaram neste mercado.
Daimler e BMW decidiram fundir as suas empresas de ‘carsharing’, a Car2Go e a DriveNow, numa única companhia, a ShareNow, enquanto o grupo PSA lançou na sua estratégia de mobilidade engendrada por Carlos Tavares a marca Free2Move, que engloba não só a vertente de partilha, mas também todos os micro-segmentos de mobilidade associada, incluindo uma aplicação para utilização intermodal em diversos transportes, sejam automoveis, transportes publicos ou bicicletas partilhadas.
A óbvia facilidade de utilização destas aplicações torna o potencial de rentabilidade mais elevado, atraindo novas companhias, pelo que se prevê um aumento ainda maior de ‘players’ neste segmento.
Outra área de mobilidade partilhada exponenciada pela tecnologia foi a de serviços de transporte de passageiros em carros descaracterizados, algo que entidades como a Uber, Cabify e Taxify (entretanto renomeada Bolt) exploraram de forma eficaz em alternativa aos tradicionais táxis, também estes obrigados à modernização.
Algumas empresas observam também estes meios de utilização do automóvel como uma forma de alternativa de mobilidade em relação aos métodos convencionais do renting ou leasing, embora não seja ainda uma tendência comum.
Meios suaves ganham peso
Mas a consciência social em torno do ambiente tem também facilitado a ascensão de uma outra tendência de mobilidade, a dos meios suaves, nos quais se incluem as bicicletas próprias ou partilhadas com assistência elétrica ou as trotinetas elétricas, multiplicando-se as marcas a funcionar em solo nacional para ambos os casos.
Em todo o caso, um ecossistema também potenciado pela nova geração de assistência elétrica e à qual os construtores automóveis, até aqui apenas pontualmente interessados nessa vertente, passaram também a querer‘jogar’. Peugeot, BMW e SEAT, por exemplo, contam nas suas gamas de produtos com veículos de duas rodas com assistência elétrica para aquilo que é denominado como soluções de último quilómetro (ou ‘last mile’, no original).
A ideia é ter um automóvel que se possa estacionar nos arredores do centro urbano e, depois, terminar a viagem com recurso a um meio sem poluição e com o mínimo de esforço para o utilizador.
Contudo, apesar da criação de uma rede crescente de pistas cicláveis, existem ainda alguns entraves práticos na sua utilização, como a ausência, nos locais de trabalho, de estruturas adaptadas para suportar os utilizadores, seja na arrumação dos ditos veículos, seja pela ausência de cabines de duche que permitiriam ao utilizador ‘refrescar-se’ depois de um trajeto mais longo em dias de verão.
Seja como for, pesados todos os cenários, a visão de mobilidade tem uma certeza: a de que irá continuar em mutação profunda nos próximos anos.