Num mundo em que vivemos a uma velocidade acelerada, vão-se precipitando os acontecimentos a uma cadência vertiginosa.
No primeiro semestre de 2022, tivemos em Portugal eleições legislativas e a tomada de posse do novo Governo, agora suportado por uma maioria absoluta na Assembleia da República.
A Europa viu eclodir uma guerra em virtude da invasão da Ucrânia por parte da Rússia, que ultrapassou os 100 dias e onde não se vislumbra quando poderá terminar.
Os preços voltaram a subir como já não sucedia há décadas (muito influenciados pelo excecional incrementos dos custos da energia e das matérias-primas) e, consequentemente, as taxas de juros já iniciaram a sua trajetória ascendente.
A somar a tudo isto, temos a pandemia provocada pela COVID-19 que teima em manter-se entre nós, renovando os receios das suas consequências a cada nova vaga.
Assim, em menos de seis meses, a perspetivas otimistas mais ou menos generalizadas que eram anunciadas para a economia mundial praticamente desapareceram e estamos agora mais perto de uma situação simultânea de estagnação económica, ou até mesmo recessão, e elevadas taxas de inflação, também designada, em Economia, por Estagflação.
Neste novo contexto, é legítimo questionar se os objetivos de descarbonização da economia e de combate às alterações climáticas vão passar para segundo plano ou sofrer novos e indesejáveis adiamentos.
No programa do XXIII Governo Constitucional, apresentado e aprovado na Assembleia da República no início do passado mês de abril, constam quatro grandes desafios estratégicos para o quadriénio 2022-2026:
- Responder à emergência climática;
- Assegurar a transição digital;
- Contrariar o inverno demográfico;
- Combater as desigualdades.
No referido programa, o Governo assume objetivo de:
- Reduzir, no horizonte de 2030, 55% as emissões de gases com efeito de estufa;
- Aumentar, até 2026, para 80% o peso das energias renováveis na produção de eletricidade (antecipando em quatro anos a meta anteriormente estabelecida);
- Aumentar para 47% o peso das energias renováveis no consumo final bruto de energia, no horizonte de 2030;
- Reduzir, até 2030, 40% das emissões do sector dos transportes e mobilidade.
A este nível, e dos vários compromissos que o Governo assume no seu programa, merece especial destaque o seguinte: “Adotar uma fiscalidade verde em linha com o objetivo de transição justa com uma transferência progressiva da carga fiscal sobre o trabalho para a poluição e o uso intensivo de recursos, prosseguindo a eliminação de isenções e benefícios fiscais prejudiciais ao ambiente, e que confira uma clara vantagem fiscal aos veículos elétricos e a hidrogénio, que altere o enquadramento fiscal das entidades empregadoras favorecendo a comparticipação de transportes públicos em detrimento da disponibilização de transporte individual e que estabeleça incentivos para a eficiência energética, em particular nos edifícios de habitação”.
Medidas de reforço ambiental
Resulta assim evidente o reforço das intenções dos decisores políticos nacionais em que caminhemos para uma mobilidade sustentável e que permita promover a proteção ambiental, em linha com o compromisso que o país assumiu em 2016 de atingir a neutralidade carbónica em 2050.
Também a nível da União Europeia, o Parlamento Europeu acabou de aprovar recentemente uma proposta da Comissão que proíbe a venda de veículos novos com motor de combustão a partir de 2035. Foram também aprovados objetivos intermédios propostos pela Comissão Europeia, nomeadamente uma redução de 15% nas emissões poluentes por parte dos automóveis até 2025 e uma redução de 55% até 2030.
A importância destas metas é reforçada pelo facto de o sector dos transportes ser um dos maiores emissores de CO2 na União Europeia, estimando-se que os automóveis, só por si, sejam responsáveis por 12% do total de emissões de gases com efeito de estufa.
Orçamento do Estado sem novidades
Com todas estas manifestações de intenção e compromissos assumidos publicamente, seria de esperar que o Orçamento do Estado para 2022, que este ano foi excecionalmente discutido e aprovado na Assembleia da República durante o passado mês de maio (em função da rejeição da proposta de Orçamento que havia sido apresentada no passado mês de outubro e das eleições legislativas entretanto havidas no início do corrente ano), pudesse já materializar um conjunto de medidas efetivas ao nível da anunciada fiscalidade verde, visando conferir uma clara vantagem fiscal aos veículos elétricos e a hidrogénio.
No entanto, o Orçamento do Estado para 2022, que deverá entrar em vigor muito em breve, não traz praticamente nada de novo ao nível da mobilidade sustentável e da fiscalidade automóvel.
A única medida que merece destaque é a manutenção, em 2022, dos apoios públicos anuais para a aquisição de veículos elétricos. Os limites são genericamente mantidos, com exceção do incentivo para a aquisição de veículos elétricos ligeiros de passageiros novos por parte de pessoas singulares, que passa a ser de 4.000 euros (era de 3.000 euros em 2021), limitado a 1.300 veículos (eram 700 em 2021), continuando a não ser aplicável a pessoas coletivas.
Fica, assim, muito aquém do que se esperava que pudesse vir a ser adotado no âmbito do Orçamento do Estado para o corrente ano.
Apesar de ser um Orçamento que é aprovado a meio do ano a que respeita e já nos encontramos na antecâmara do Orçamento do Estado para 2023, urge passar das palavras aos atos e apresentar sinais claros da transição que se pretende, nomeadamente ao nível da mobilidade sustentável.