Recentemente, mais um fabricante anunciou planear fazer uma alteração estratégica do seu modelo de distribuição, manifestando a intenção de passar a manter contacto direto com o cliente final.
Para o efeito, pretende restruturar a rede retalho, colocando na matriz de toda a operação um canal digital centralizado.
Desta vez foi a Volvo, comunicando que se propôs ser um fabricante mundial de automóveis 100% elétricos até 2030, os quais estarão disponíveis apenas online.
Ainda que este objetivo possa parecer desconcertante num contexto de um modelo consolidado de distribuição baseado em larga medida em contratos de franchising, tem nos últimos anos feito timidamente o seu caminho entre testes e outras tantas declarações de intenção de conhecidos fabricantes.
Alterações no comportamento dos consumidores, inovação tecnológica e a transformação digital estimulam os fabricantes a questionar-se se o atual modelo de três camadas (cliente/concessionário/fabricante) está preparado para acomodar as necessidades dos clientes no futuro e enfrentar os desafios ao nível da rentabilidade dos próprios e respetiva rede de concessionários.
A Tesla, sem o legado de uma rede de distribuição, foi pioneira no modelo de venda direta online, suportado no terreno por espaços de exposição estrategicamente posicionados e pop-up sotres. Outras start-ups seguem o mesmo caminho, desafiando também o status quo.
Simultaneamente, alguns incumbentes, reconhecendo o benefício de uma estratégia multicanal, têm procurado inovar, não abdicando do valor que o concessionário aporta, adotando o chamado modelo de “Agência”.
Embora, até ao momento, testando de forma controlada em produtos e mercados específicos, este parece apresentar-se como uma das possíveis hipóteses.
Senão, vejam-se os exemplos da estratégia de comercialização, em alguns dos países europeus, da nova família de veículos elétricos ID da Volkswagen, o modelo preconizado pela Honda e pela Toyota no mercado neozelandês e o adotado também pela jovem Polestar, nascida no seio do universo Volvo.
Num artigo sobre o tema (“Agency Sales Model – Accelerating the future of automotive sales“), a consultora Capgemini define o modelo de “Agência” como uma evolução do tradicional modelo de três camadas para um modelo integrado online-offline.
O fabricante interage diretamente com o cliente e assume a responsabilidade pela venda, ao mesmo tempo que o concessionário, ainda que continuando a dar a cara perante o cliente, deixa de ser um parceiro contratual, atuando como um agente.
O modelo de “Agência” pode ser uma evolução do modelo tradicional, no entanto não deixará de se apresentar como uma revolução para todos os envolvidos na cadeia de valor.
Desde logo, como a Capgemini descreve, o fabricante passa a assumir o risco financeiro que estava reservado ao concessionário, fornecendo ele mesmo todo o stock e logística de abastecimento centralmente, fixando o preço.
Por outro lado, edifica uma infraestrutura centralizada de dados e competências analíticas para compreender a enorme quantidade de dados provenientes dos consumidores, procurando oferecer uma experiência de compra altamente personalizada, efetivando o controlo do funil de vendas.
Aos agentes, que manterão um papel relevante, ficará reservado o papel de acompanhar a jornada digital do cliente em coordenação com o fabricante, prontos para o aconselhamento no terreno, gestão de test-drives, entrega e serviço.
Na perspetiva da Capgemini, não obstante os investimentos sejam avultados, tal alteração trará retornos financeiros a médio e longo prazo, fruto de uma acrescida satisfação do cliente e redução de custos tanto para o fabricante como para a respetiva rede de agentes.
O tempo e a experiência provarão se este modelo, que se propõe combinar a eficiência e transparência do online, com uma ancoragem física local, conseguirá fazer a quadratura do círculo, trazendo benefícios significativos para todas as partes envolvidas.