As tarefas fundamentais do Estado encontram-se consagradas na Constituição da República Portuguesa. Entre tantas outras, podemos observar a obrigação de “defender a natureza e o ambiente, preservar os recursos naturais”.
A política fiscal é um instrumento ao dispor do Estado, cuja utilização visa cada vez mais a prossecução de objetivos extrafiscais, nomeadamente, a nível económico e social. Desde logo, deve permitir ao Estado executar as suas funções de promoção e preservação da natureza e do meio ambiente, uma vez mais, indo ao encontro da Lei fundamental, que insta o Estado a “assegurar que a política fiscal compatibilize desenvolvimento com proteção do ambiente e qualidade de vida”, permitindo o “direito a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado”.
Neste âmbito, a fiscalidade ambiental é o ramo da política fiscal responsável pela execução dos objetivos ambientais a que o Estado se proponha, observando-se a implementação de medidas com naturezas distintas: umas dissuasoras e punitivas (como a aplicação de impostos ambientais) e, outras, persuasoras e incentivadoras (a introdução de benefícios fiscais).
O imposto ambiental, apresentado em 1920 por Arthur Cecil Pigou como uma ferramenta de combate à poluição ambiental, tem uma natureza dissuasora e compensatória, olhando ao princípio do poluidor-pagador, e será tanto mais eficaz quanto menor for a sua coleta. Se a tributação de um bem ou serviço pretende desincentivar a sua aquisição, pelo aumento implícito do seu preço, a sua receita deve ser aplicada em fins de compensação e restauração da natureza e do meio ambiente, obrigando aqueles que continuam a poluir pagar pelo dano causado – como que a atribuição de um preço ao ambiente.
Já a atribuição de benefícios fiscais passa pelo incentivo à preferência por bens e serviços menos poluentes, tornando-os menos onerosos, quer pela via de uma redução de tributação quer pela disponibilização de apoios pecuniários, sobre a forma de subsídios a fundo perdido.
Viatura elétrica versus viatura a gasóleo
A transição para a mobilidade elétrica passa, e tem passado, necessariamente, por medidas das duas vertentes. Por um lado, temos observado um aumento da carga fiscal sobre os veículos movidos a combustíveis fósseis, e sobre os próprios combustíveis fósseis, e, por outro lado, a atribuição de benefícios fiscais à aquisição de veículos movidos a energia elétrica.
O maior incentivo à aquisição de viaturas elétricas, em detrimento da aquisição de veículos movidos a combustíveis fósseis, verifica-se a nível empresarial (sujeitos passivos de IVA que beneficiem do direito à dedução e cujo lucro tributável seja apurado com base na contabilidade organizada – IRC e IRS). Para uma melhor noção da dimensão, comparemos a aquisição de uma viatura exclusivamente elétrica de passageiros com a aquisição de uma viatura ligeira de passageiros movida a gasóleo – utilizadas no âmbito da atividade da empresa, contudo, não sendo a sua exploração o objeto de atividade da mesma.
A primazia pelas viaturas elétricas observa-se tanto a nível de IVA como de imposto sobre o rendimento. Em sede de IVA, regra geral, o imposto contido na aquisição de uma viatura movida a gasóleo não poderá ser dedutível, independentemente do seu preço. Quanto ao imposto contido na aquisição de uma viatura elétrica, o IVA poderá ser dedutível se o preço de aquisição não exceder os 62 500 euros (sem IVA).
A nível de IRC, no caso da aquisição de uma viatura elétrica de passageiros, em regra, o custo máximo (ou seja, o montante que depois poderá ser aceite como depreciação ao longo da sua vida útil) é de 62 500 euros.* Já para uma viatura a gasóleo, este montante cifra-se nos 25 000 euros, não sendo, em ambos os casos, os montantes excedentes aceites como gasto fiscal.
A nível de tributação autónoma, sobre os gastos com uma viatura movida a gasóleo (e, como tal, as próprias depreciações) aplica-se uma taxa de 10 por cento, para viaturas com um custo até 27 500 euros; 27,5 por cento para um custo superior a 27 500 euros e inferior a 35 000 euros e 35 por cento quando o custo é igual ou superior a 35 000 euros. Em contraste, para as viaturas movidas exclusivamente a eletricidade apenas é aplicada tributação autónoma, a uma taxa de 10 por cento, caso estas tenham um preço de aquisição superior a 62 500 euros.**
Por sua vez, as viaturas elétricas estão isentas de IUC e ISV. Já as viaturas movidas a gasóleo, pagarão tanto mais imposto, quanto maiores forem as suas emissões de CO2 e de partículas (ou seja, quanto mais poluírem, mais será o imposto a pagar).
A preterência não fica por aqui, sendo que o IVA contido no gasóleo apenas poderá ser dedutível a 50 por cento, enquanto o IVA da eletricidade utilizada para carregar a viatura poderá ser totalmente dedutível.
Adicionalmente, note-se que o gasóleo será tendencialmente mais caro do que a eletricidade. Ainda que ambos estejam sujeitos ao Imposto sobre os produtos petrolíferos e energéticos, a carga fiscal é muito superior nos combustíveis, sendo estes, ainda, adicionados da taxa de carbono e taxa de contribuição rodoviária.
A nível de pessoas singulares, além da isenção de IUC e ISV, os benefícios passam pela atribuição de subsídios provenientes do Fundo Ambiental. Pela aquisição de uma viatura elétrica, as pessoas singulares podem candidatar-se a um subsídio de quatro mil euros – este benefício é limitado a pessoas singulares.
No entanto, a transição para a mobilidade elétrica não se fica pelas viaturas ligeiras de passageiros. Existem inúmeros outros subsídios, extensíveis a pessoas singulares e coletivas, para a aquisição de viaturas elétricas de mercadorias, bicicletas elétricas, motociclos, ciclomotores, triciclos e outros dispositivos de mobilidade elétrica.
A atribuição dos apoios, e consequente aumento de carga fiscal de veículos mais poluentes, visa acelerar a transição para uma mobilidade elétrica, com vista à descarbonização da mobilidade, diminuição do ruído, do próprio tráfego e da melhoria da qualidade do ar.
*Dado que o IVA é dedutível na viatura elétrica, este valor é líquido de IVA, ao contrário do que se sucede na viatura a combustível, em que o montante a considerar é ilíquido de IVA.
**Dado que o IVA é dedutível na viatura elétrica, este valor é líquido de IVA, ao contrário do que sucede na viatura a combustível, em que o montante a considerar é ilíquido de IVA.
Tabela comparativa da aquisição de uma viatura ligeira de passageiros elétrica e uma viatura ligeira de passageiros a gasóleo
Preço a pagar no concessionário: 50 000 euros (ambas adquiridas em estado novo por um sujeito passivo de IVA e IRC). Considera-se a totalidade das depreciações dentro dos limites temporais legais.
Elétrica | Gasóleo | |
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Preço de compra (inclui IVA, ISV e IUC) | 50 000 euros | 50 000 euros |
Dedução de IVA | -9 349,59 euros | 0,00 euros |
Tributação Autónoma | 0,00 euros | 17 500,00 euros |
Poupança fiscal IRC (considerando uma taxa de IRC de 21% | -8 536,59 euros | -5 250,00 euros |
Custo final | 32 113,82 euros | 62 250,00 euros |