Portugal foi discretamente palco de um dos primeiros projectos piloto no mundo para a otimização de tráfego usando um computador quântico. O Grupo Volkswagen e a D-Wave em parceria com a empresa de transportes públicos de Lisboa, CARRIS, testaram durante os dias em que se realizou a conferência tecnológica Web Summit um inovador sistema inteligente de gestão de tráfego.
Apesar de em grande medida ter passado despercebido, este momento pode encerrar em si mesmo grande significado. A ponta do iceberg de algo maior com grande potencial transformacional. Senão vejamos. A indústria automóvel prevê estar progressivamente cada vez mais dependente das receitas geradas pelos dados. Dados provenientes dos seus veículos, respectivos utilizadores e ambiente em seu redor. E se por um lado é expectável que a quantidade de dados cresça desmesuradamente por outro a complexidade dos problemas que se propõem resolver colocam desafios computacionais extremamente exigentes. Desafios na análise de dados que os actuais supercomputadores têm dificuldade em resolver constatando-se que já estejamos muitas vezes a trabalhar no limite da sua capacidade.
Mas a computação quântica posiciona-se como uma solução válida para este problema. Esta nova forma de computação, ainda incipiente, explora as leis da física quântica para processar um novo tipo de bits, os qubits ou bits quânticos, que podem estar no estado zero e um ao mesmo tempo. Esta propriedade surpreendente e contra-intuitiva abre a porta à resolução de problemas computacionais extremamente complexos, de forma muito mais rápida e com um menor consumo de energia. Num computador digital convencional a informação é processada em zeros e uns de forma sequencial. Já um computador quântico tem a capacidade de fazer múltiplos cálculos em simultâneo, aumentando de forma exponencial a capacidade de processamento de informação, resolvendo numa fração de segundos um problema matemático que um actual supercomputador de alta performance apenas pode resolver em horas, meses ou anos. Por outras palavras, o resultado muitas vezes não está disponível em tempo útil.
Em Lisboa, os “Quantum Shuttles”, como foram designados, eram uma pequena frota dedicada a transportar passageiros de e para o recinto da Web Summit, equipados com tecnologia que lhes permita calcular a rota mais rápida, individualmente para cada um dos autocarros, quase em tempo real (uma espécie de Waze em esteroides). O algoritmo utilizado pelo sistema tinha como desafio maximizar a eficiência de circulação permitindo assim que os tempos de viagem dos passageiros fossem significativamente reduzidos, mesmo em períodos de pico de tráfego.
Mas o Grupo Volkswagen não é o único actualmente a testar as capacidades da computação quântica. Por exemplo a Daimler tem em curso duas parcerias de investigação independentes. Uma com a Google e outra com a IBM, dois pioneiros do desenvolvimento de software e hardware para computadores quânticos. Tal como o exemplo da gestão de tráfego, muitas das tarefas de computação na indústria são na sua essência problemas de optimização. E a Daimler pretende explorar esta poderosa capacidade em problemas da cadeia logística de componentes, optimização da produção de veículos, desenvolvimento de novos materiais, nomeadamente baterias e claro está nas suas iniciativas ligadas à mobilidade como um serviço.
Existem muitos desafios a enfrentar até atingir a supremacia quântica útil, o ponto a partir do qual os computadores quânticos são inquestionavelmente mais eficientes que os computadores digitais. No entanto a indústria automóvel está desde já a considerar as implicações do poder disruptivo da tecnologia quântica como ferramenta para enfrentar os desafios do futuro. E quem sabe, o que se passou em Lisboa pode marcar o início de uma nova era.