O mercado de retalho automóvel tem-se caracterizado pela sua inexorável capacidade de mutação e evolução contínuas, adaptando-se facilmente às mudanças próprias de uma sociedade de consumo cada vez mais digital, ajustando-se assim a novas formas comportamentais dos consumidores e dos próprios modelos de negócio.
E como se não bastasse o ritmo frenético do desenvolvimento do comércio eletrónico em geral, o atual estado de pandemia causado pelo coronavírus COVID-19, forçando a um estado de emergência do país e confinando os portugueses num isolamento forçado nas suas residências, veio, mias uma vez, demonstrar a crescente importância dos canais digitais de venda para a subsistência económica das empresas, no presente e particularmente no futuro.
Não é por isso de estranhar a aposta de muitas marcas e stands no incremento e consolidação dos seus canais digitais de venda de automóveis novos e usados, através de ofertas e condições cada vez mais personalizadas em função das necessidades dos seus clientes, quer sejam empresas ou consumidores.
Aos contratos celebrados online com consumidores é aplicável o regime jurídico estabelecido no Decreto-Lei n.º 24/2014, de 14 de fevereiro (com as alterações entretanto introduzida pela Lei n.º 47/2014, de 28/07 e Decreto-Lei n.º 78/2018, de 15/1), diploma este que veio estabelecer formas de proteção dos consumidores nos contratos celebrados à distância e contratos celebrados fora do estabelecimento comercial, tendo em vista a promoção da transparência das práticas comerciais e a salvaguarda dos interesses legítimos dos consumidores.
A par de um reforço da informação pré-contratual a prestar aos consumidores, relativa ao vendedor, ao próprio contrato e ao bem ou serviço objeto desse contrato, veio aquele diploma estabelecer a favor dos consumidores um “direito de livre resolução” do contrato celebrado. Quer isto dizer que os consumidores gozam do direito de resolver o contrato sem incorrerm em quaisquer custos e sem necessidade de indicar qualquer motivo para o efeito, no prazo de 14 dias, a contar do dia da celebração do contrato (caso se trate de um contrato de prestação de serviços) ou, do dia em que o bem se considere entregue ao consumidor (caso se trate de um contrato de compra e venda de bens, como, por exemplo, um veículo automóvel).
Para que se considere exercido o direito de livre resolução pelo consumidor, bastará que este envie ao vendedor o modelo/formulário obrigatoriamente existente, devidamente preenchido, ou outra declaração inequívoca de resolução do contrato, entendendo-se como tal qualquer declaração em que o consumidor comunique, por palavras suas, a decisão de resolver o contrato, designadamente, por carta, por contacto telefónico, pela devolução do bem ou por outro meio suscetível de prova, nos termos gerais. Como efeito do exercício deste direito de livre resolução pelo consumidor, deve o vendedor, no prazo de 14 dias a contar da data em que foi informado da decisão de resolução do contrato, reembolsar o consumidor de todos os pagamentos recebidos.
No entanto, este direito de livre resolução, consagrado a favor do consumidor, não é absoluto, consagrando o mesmo diploma legal um conjunto de exceções que, a verificar-se qualquer uma delas, impede o exercício da livre resolução do contrato. E quais são estas exceções? A lei consagra um número considerável de exceções ao exercício deste direito, que vão, entre outras, desde o fornecimento de bens selados não suscetíveis de devolução, por motivos de proteção da saúde ou de higiene quando abertos após a entrega, ao fornecimento, ao fornecimento de bens confecionados de acordo com especificações do consumidor ou manifestamente personalizados, ou o fornecimento de gravações áudio ou vídeo seladas ou de programas informáticos selados, a que o consumidor tenha retirado o selo de garantia de inviolabilidade após a entrega, etc..
Em conclusão, o direito de livre resolução existe na venda online de automóveis, a menos que, por hipótese, o veículo vendido tenha sido manifestamente personalizado a pedido do consumidor.