Que os consumos não são o que parecem, todos sabemos. Ou pelo menos aqueles que são anunciados pelas marcas e que resultam de homologações de ensaios feitos em laboratório (atual NEDC), com viaturas nas condições idílicas de eficiência.
No mundo real, as circunstâncias são diferentes.
Da temperatura ambiente aos efeitos do vento, da maior ou menor frequência de trânsito até ao peso que o veículo transporta, à pressão exercida sobre o pedal do acelerador ou do estado de ansiedade de quem está atrás do volante, tudo isto vai ser refletido nos consumos.
Por causa de tudo isto, os novos valores obtidos através de testes laboratoriais mais exigentes do que os atuais, conjugados com os dados obtidos em ensaios em “condições reais de condução” (RDE), constituem um desafio não apenas para o legislador como para as marcas.
Ao ponto de ainda não ter sido produzida legislação definitiva nesta matéria, a menos de meio ano da data anunciada para entrar em vigor na Europa.
Embora já tenha debruçado sobre este tema, vou fazer uma rápida retrospetiva do ponto atual.
O ciclo WLTP (Worldwide harmonized Light vehicles Test Procedure) será legalmente obrigatório para novos tipos de veículos a partir de setembro de 2017 e para todos os registos de automóveis novos a partir de setembro de 2018; antes da implementação do WLTP, a UE tem de resolver uma série de questões como a rotulagem (para assegurar que o cliente não se baralha durante a transição de sistemas) ou de que forma deverá ser efetuada e tratada a recolha de dados do ciclo RDE.
É que esta recolha tem não apenas de ser justa entre fabricantes, como fiável e harmonizada entre 28 estados membros que têm estradas, temperaturas e condições de circulação completamente distintos…
Por fim, naquilo que mais nos interessa, como o governo de cada país vai fazer aplicar a tributação baseada em CO2 e que modo ela será justa no período de transição entre o antigo e o novo teste de laboratório.
Para resolver alguns destes desafios, a Comissão Europeia está atualmente a trabalhar num exercício de correlação para determinar como as medições de CO2, utilizando o novo WLTP, podem ser traduzidas para um número rigoroso de CO2 equivalente ao baseado no NEDC.
É que vai permanecer a obrigatoriedade de todos os fabricantes manterem o nível médio de CO2 da sua frota nas 95g/km, sob pena de saírem penalizadas…
Sobe, sobe, CO2 sobe…
Apesar da preocupação que levou à evolução para o novo padrão WLTP não ser simplesmente o nível de emissões de CO2 (na realidade ele vai ter uma grande incidência sobre os limites poluentes mais importantes como o monóxido de carbono (CO), os hidrocarbonetos (HC), o óxido de Azoto (NOx) e partículas), a maioria dos países tem uma tributação automóvel assente sobre os valores de CO2 e as empresas vêm também a sua pegada ambiental medida por este fator.
Por isso, apesar de ainda não terem sido oficialmente definidas algumas partes da legislação, “negociada” em “pacotes”, os aspetos técnicos que permitem aos fabricantes começar a preparar-se já são conhecidos.
Com base nisso, alguns construtores automóveis anteciparam-se e começaram a aferir valores de consumo e emissão através do ciclo de condução WLTP (incluindo RDE) nos modelos mais comercializados e sujeitos a um maior impacto.
De acordo com a informação disponibilizada tanto pela PSA como pela Opel, torna-se fácil perceber os desvios nos valores de consumo e consequentemente de CO2.
De acordo os dados que fui verificando, segundo a PSA, o valor médio da diferença dos valores homologados é próxima dos 2 litros por 100 km.
Esta subida deve-se principalmente às diferenças mais importantes entre os dois procedimentos de ensaio (WLTP e NEDC), devendo acrescentar-se as características cinemáticas dos ciclos de condução.
É que a maior inércia do veículo e as cargas de estrada, juntamente com as velocidades de veículo mais altas, requerem mais energia, logo contribuem para o aumento das emissões de CO2.
Como é calculado o CO2 e como fcaria o ISV Mas como se apura o CO2 de um motor?
Nos cálculos são utilizados fatores de emissão diferentes consoante os combustíveis: 2,28 kgCO2 por litro de gasolina e 2,6 kgCO2 por litro de gasóleo.
No caso do diesel, este fator resulta da seguinte fórmula: um litro pesa 835 gr, contém 720 gr de Carbono (C) e, para queimar este carbono, são necessários 1920 gr de Oxigénio(O).
O fator é assim a soma de 720+1920=2640 gramas de CO2 por litro de diesel.
Conclui-se portanto que os valores de CO2, baseados neste pressuposto, vão ser severamente incrementados.
Como é fácil de perceber através de um exemplo baseado num consumo de gasóleo de 4 litros/100 km (0,04 l/km) ou de 6 l/100 km (0,06 l/km) litros:
– 2,6 x 0,04 = 0,104 Kg/km, ou seja, 104 g/km
– 2,6 x 0,06 = 0,156 Kg/km, ou seja, 156 g/km
Aposto que nesta parte do texto o leitor já deve estar a fazer contas de cabeça.
Para as facilitar, vou aplicar os mesmos cálculos sobre as atuais tabelas do ISV, pegando como exemplos dois carros procurados pelas empresas, não comparáveis entre si, cujos respetivos construtores já divulgaram dados de consumo apurados de acordo com as exigências do WLTP: o Opel Astra 1.6 CDTI com 110 cv e o Peugeot 1.6 BlueHDi 120.
O primeiro, atualmente com consumo médio homologado de 3,4 litros e CO2 de cerca de 90 g/kmCO2, enquanto segundo ciclo WLTP, cerca de 5 litros, um valor apurado e divulgado pela Opel.
O segundo, atualmente com consumo médio homologado de 3,6 litros e CO2 de 94 gramas, enquanto segundo o novo ciclo WLTP, é de cerca de 4,9 litros, um valor apurado e divulgado pela PSA.
Opel Astra 1.6 CDTI 110 cv | Peugeot 1.6l BlueHDi 120 | |||
3,4 l/90 g CO2 | 5 l /130 g CO2 | 3,6 l/94 g CO2 | 4,9 l /127 g CO2 | |
Componente Cilindrada | 2.450,47 | 2.450,47 | 2.260,85 | 2.260,85 |
Componente CO2 | 233,9 | 3.494,4 | 317,54 | 3.024,42 |
ISV total | 2.684,37 | 5.944,87 | 2.578,39 | 5.285,27 |
Diferencial | 3.260,5 | 2.706,88 |
Os cálculos foram efetuados com a ajuda do simulador presente no portal da Autoridade Tributária e Aduaneira.
Em cada modelo, os valores da esquerda refletem o atual quadro de tributação do ISV, enquanto os da direita resultam do cálculo com os novos valores de CO2 apurados de acordo com a fórmula descrita anteriormente. As estes valores deve ainda acrescentar-se o IVA.
Sobre este assunto penso que não vale a pena acrescentar mais até ser conhecido todo o pacote de medidas anunciado e de que modo ele vai ser transposto para cada um dos estados membros.
O que os construtores já evoluíram
As emissões de automóveis em toda a Europa foram drasticamente reduzidas.
O NOx passou de 0,97 g/Km em 1992 para 0,08g/Km em 2014, enquanto as partículas (PM), reduziram de 0,14 g/Km para 0,005 g/km em 2014.
As reduções das emissões foram guiadas pelo desenvolvimento tecnológico nas seguintes áreas:
- Redução de peso do veículo
- A gestão de consumo de combustível
- O controlo de combustão do motor
- A melhoria de eficiência dos filtros de partículas e dos redutores catalíticos e dos sistemas de pós-tratamento dos fumos de escape
De acordo com os ensaios de emissões rodoviárias realizados pelo International Council on Clean Transportation (ICCT), os veículos Euro 6 emitem pelo menos 40% menos de óxido de azoto (NOX) do que os veículos Euro 3.
Foram efetuadas reduções significativas, sobretudo nos veículos a diesel, havendo neste momento pouca margem para melhorias. Daí cada vez mais construtores apostarem em soluções a gasolina e híbridas, onde parece ainda existir espaço para melhorar a eficiência.