Rui Soares Ribeiro tomou posse como presidente da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária (ANSR) em janeiro de 2019.
Formado em Engenharia Física Tecnológica e doutorado em Ciências – Física da Radiação pela Universidade de Coimbra, foi professor universitário em diversas faculdades e também investigador no CERN (European Organization for Nuclear Research) localizado em Genebra.
Na entrevista que concedeu à FLEET MAGAZINE de novembro de 2020, falou sobre o papel que as empresas podem ter na promoção da segurança rodoviária.
Nomeadamente a relevância da Norma ISO 39001, cuja certificação confere uma responsabilidade social e uma vantagem qualitativa capaz de refletir-se favoravelmente perante os seus clientes, mas também a nível económico, com a redução dos custos diretos com a sinistralidade, e indiretos, com a redução dos prémios de seguro, por exemplo.
Oportunidade para descobrir também o trabalho que a ANSR está a desenvolver em conjunto com outras entidades públicas e privadas, nomeadamente o “mapeamento” de algumas estradas nacionais, como forma a avaliar as causas do registo de um elevado número de acidentes nessas vias.
Nesta primeira parte da entrevista enquadra os principais valores da sinistralidade em Portugal, num ano atípico por razões da COVID-19.
Também sobre a ampliação do sistema SINCRO, a rede de radares instalada nas estradas onde o excesso de velocidade é a principal causa da elevada sinistralidade registada nos troços de estrada sob vigilância deste equipamento.
Em 2020, os indicadores de sinistralidade melhoraram: há menos acidentes, menos mortos na estrada, menos feridos graves… Os portugueses estão a conduzir de forma mais responsável, a fiscalização e o controlo rodoviário aumentaram, os carros estão mais seguros ou apenas porque a circulação diminuiu em resultado da pandemia?
Antes de responder à sua pergunta deixe-me dizer que zero é o único número que todos nós, enquanto sociedade, podemos aceitar para o número de vítimas mortais na estrada. Não é aceitável continuarmos a tolerar esta “normalidade” em que os acidentes rodoviários resultam em mortes ou feridos graves.
Relativamente à evolução que menciona, o ano de 2019 já tinha registado uma melhoria face a 2018, nomeadamente ao nível das vítimas mortais, tendo tido uma redução significativa, com menos 49 mortes.
Em 2020 esta tendência acentuou-se. No início do ano, em época “pré-Covid”, todos os indicadores de sinistralidade revelaram uma melhoria global: menos acidentes, menos feridos leves, menos feridos graves e menos vítimas mortais.
Naturalmente que a pandemia e o confinamento que dela resultou tiveram influência em todos os dados de segurança rodoviária. No entanto, se compararmos o período homólogo, entre janeiro e outubro, esses dados revelam esta tendência decrescente em todos os indicadores, que se torna mais acentuada devido a uma redução de circulação nos meses de março a maio, devendo, por esse motivo, ser considerados atípicos.
Mas é de realçar que, mesmo retirando os referidos meses, verificamos uma diminuição em todos estes indicadores. (ver Quadro 1).
Reforço a questão: há razões para estar a acontecer uma redução dos principais indicadores?
O fenómeno da sinistralidade rodoviária é complexo e não deve ser reduzido a apenas um ou dois fatores; devemos ter antes uma visão holística do mesmo e olhar para os cinco pilares do sistema seguro em que se funda a segurança rodoviária: gestão da segurança rodoviária, utilizadores mais seguros, infraestrutura mais segura, veículos mais seguros e melhor assistência e apoio às vítimas.
Qualquer redução nos indicadores de sinistralidade rodoviária encontra sustentação na melhoria daqueles cinco fatores.
E menos carros na estrada explicam que o maior número de infrações detetadas tenha sido por excesso de velocidade?
A velocidade excessiva constitui um dos principais fatores de risco para a ocorrência de acidentes.
Os dados relativos à sinistralidade e fiscalização rodoviária, relativamente aos primeiros dez meses de 2020, apontam no sentido da infração por excesso de velocidade ser a mais verificada, constituindo 63,2% do total das infrações, mais 13% do que o no período homólogo de 2019.
https://fleetmagazine.pt/2020/12/04/relatorio-ansr-outubro-2020/
Aponto três razões para a leitura daqueles dados:
- O reforço do Sistema Nacional de Controlo de Velocidade (SINCRO), com a inclusão de mais dez cinemómetros-radar, nomeadamente na VCI e na EN118;
- O aumento de 30,9% na fiscalização, quando comparado com período homólogo de 2019;
- A maior eficiência e eficácia do conjunto dos cinemómetros-radar que estão a operar, fruto de uma maturidade de todo o sistema.
“A expressão ‘caça à multa’ não reflete o trabalho que está a ser feito em termos de fiscalização do cumprimento do Código da Estrada”
Sistema SINCRO: o que é e para que serve
Em que medida a fiscalização ou o controlo rodoviário automatizado contribuem para a redução da sinistralidade?
Um dos objetivos operacionais do Sistema Nacional de Controlo de Velocidade (SINCRO) é o de promover o cumprimento dos limites legais de velocidade, evitando a prática de velocidades excessivas em locais onde se tenha verificado maior sinistralidade e que, pelas suas características, oferecem um risco acrescido de ocorrência de acidentes.
A fiscalização da velocidade com recurso à medição da velocidade instantânea tem aplicação em locais de pequena extensão, ou seja, locais onde há uma grande concentração de acidentes (a ocorrência de acidentes é localizada).
Já a fiscalização da velocidade com recurso à medição da velocidade média tem aplicação em troços de estrada em que exista uma maior densidade de acidentes ao longo da respetiva extensão.
Com quatro anos de funcionamento, os locais onde foram instalados os radares deste sistema registaram, face a igual período anterior à entrada em funcionamento do sistema, uma redução em todos os indicadores de sinistralidade: menos 29% de acidentes com vítimas, menos 82% de vítimas mortais, menos 57% de feridos graves e menos 26% de feridos leves.
Em termos globais, nos primeiros dez meses de 2020 foram fiscalizados mais de 93 milhões de veículos, correspondendo a um aumento de 27,9%, face a período homólogo de 2019, relativo, essencialmente, ao aumento da fiscalização efetuada pelo SINCRO, sistema que fiscalizou 92% do total de veículos em termos de velocidade em Portugal continental.
Como tem evoluído a consciencialização dos condutores? Para alguns, a presença de um radar ou de uma operação policial ainda é encarada como “caça à multa”…
A expressão “caça à multa” não reflete o trabalho que está a ser feito em termos de fiscalização do cumprimento do Código da Estrada.
Tomemos em conta três aspetos que desmistificam essa afirmação: A ANSR regista anualmente cerca de 1,4 milhões de autos de contraordenação rodoviária.
Se pensarmos que existem cerca de seis milhões de condutores habilitados, constatamos que o rácio de autos levantados é muito baixo, especialmente quando todos temos a perceção e testemunhos diários de uma quantidade assinalável de infrações ao volante.
Por outro lado, e tomando como exemplo o SINCRO, todos os locais de controlo de velocidade atualmente existentes, estão devidamente assinalados pelo sinal respetivo (H43).
Com a futura instalação de “radares de velocidade média”, nos troços cuja localização será do conhecimento público, estes estarão, também, devidamente assinalados (H42).
Objetivamente o que se pretende com esta rede de radares de velocidade?
A preocupação subjacente ao SINCRO é a de diminuir a velocidade em locais onde a velocidade excessiva foi determinante para a ocorrência de acidentes, com o objetivo claro de salvar vidas.
No tema da velocidade, como em outros temas de segurança rodoviária, a nossa ação concertada com as forças de segurança tem, a montante, um planeamento que resulta da observação e análise da sinistralidade e da fiscalização.
Desta análise resulta o Plano Nacional de Fiscalização (PNF), documento com periodicidade anual, elaborado pela ANSR em colaboração com as Forças de Segurança (FS), que visa uma harmonização e otimização dos meios de fiscalização envolvidos nas campanhas de sensibilização específicas para cada comportamento de risco, projetando-os para ações em locais criteriosamente selecionados, tendo em conta a sinistralidade aí registada.
Por outro lado, à margem do PNF, a ANSR leva a cabo inúmeras ações de sensibilização, algumas delas a pedido da sociedade civil, por exemplo, em escolas, associações, etc.. Por seu lado, as FS também têm as suas próprias ações, contribuindo assim para o alargamento e diversificação da promoção da segurança rodoviária.
Prossiga para a segunda parte da entrevista a Rui Soares Ribeiro, presidente da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária (ANSR):
https://fleetmagazine.pt/2020/12/22/prevencao-rodoviaria-empresas-ansr/
Novos radares: onde vão estar
A ampliação do SINCRO vai contar com 20 novos Locais de Controlo de Velocidade (LCV) para o controlo de velocidade média entre dois pontos e 30 LCV de velocidade instantânea.
Deste modo, a rede dos atuais 60 locais de controlo de velocidade (50 instalados em 2016/2017 e dez em 2019), tendo como novidades capacidade para medir a velocidade média entre dois pontos e a velocidade de vários veículos em simultâneo, mesmo quando estes circulam lado a lado ou a uma distância inadequada entre si.
A localização dos novos radares teve como pressuposto, entre outros fatores, a velocidade excessiva como causa principal da sinistralidade nos locais onde vão ser instalados, sendo assim uma forma de persuasão para os condutores cumprirem com os limites legais estabelecidos.
Alguns dos novos radares vão ser instalados em trajetos localizados na EN5 em Palmela, EN10 em Vila Franca de Xira, EN101 em Vila Verde, EN106 em Penafiel, EN109 em Bom Sucesso, IC19 em Sintra e IC8 na Sertã.