A Indústria Automóvel vive hoje um momento absolutamente único na sua história centenária. Em boa verdade, o sector automóvel enfrenta, de forma absolutamente transversal, o maior e mais rápido processo de transformação dos últimos 100 anos.

Essa transformação acontece ao nível industrial, do produto, das matérias-primas necessárias para a sua produção, da tecnologia, do modelo de negócio, na forma como compramos (ou não) os carros e como os utilizamos, nos novos conceitos de mobilidade e também no modo como estes novos fenómenos impactam e impactarão cada vez mais na nossa vida, enquanto indivíduos, sociedade no seu todo e mesmo enquanto países e nações.

Hoje, com o processo da transição energética em curso (do motor a combustão para o motor elétrico) a indústria automóvel serve de palco de uma das maiores batalhas económicas de sempre pela liderança deste sector absolutamente estratégico na política económica dos grandes blocos mundiais; Europa, Estados Unidos, China e restante Ásia (nomeadamente Japão e Coreia do Sul). A este propósito, convém destacar que, ao longo de mais de 100 anos, a Europa liderou de forma incontestável esta mesma indústria automóvel.

Automóvel: motor económico da Europa

Dificilmente podemos imaginar o desenvolvimento industrial da Europa do pós-guerra sem grandes grupos industriais, como da Fiat em Itália, Renault, Citroën e Peugeot em França, Volkswagen, BMW e Mercedes na Alemanha, ou ainda de algumas marcas icónicas inglesas, caso da Rolls-Royce, Bentley ou Austin Martin.

Aliás, a indústria automóvel é, ainda hoje, o grande motor económico da Europa; gera todos os anos um superavit de quase 100 mil milhões de euros na balança comercial da União, emprega 7% da população total do continente e é o maior investidor nas áreas de investigação e desenvolvimento (acima de áreas como a saúde ou as próprias TI) tendo, portanto, um papel absolutamente determinante no equilíbrio económico e social do espaço europeu.

Indústria automóvel em risco

Em grande parte fruto não de um normal movimento do mercado de oferta e procura, mas sim em resultado da imposição de metas ambientais extremamente apertadas junto dos fabricantes europeus, esta indústria enfrenta hoje, mesmo no espaço europeu, um enorme risco de sobrevivência, uma vez que está a ser empurrada para uma “arena” na qual outros players levam uma enorme vantagem, com particular destaque para a China e para os Estados Unidos.

Nomeadamente por causa do “Fit for 55” já em 2030 e “zero emissões” a partir de 2035, que apontam, de forma quase que única, para a solução elétrica.

Em 2035 vai ser possível conduzir carros novos a combustão, mas só se forem abastecidos com combustíveis sintéticos

Dito isto, devo ressalvar, de forma bastante clara, que as metas ambientais e a redução das emissões de carbono devem ser um dos grandes desígnios de todos nós, enquanto sociedade que quer ter um planeta onde os seus filhos e netos tenham futuro. Todos os dias somos assaltados com imagens e notícias preocupantes, da subida de temperaturas, do acelerado processo do degelo dos glaciares, do aumento de fenómenos da natureza absolutamente devastadores, da desertificação de regiões do planeta que há bem pouco tempo eram verdes, entre muitos outras ocorrências.

Julgo que já poucos temos dúvidas sobre a importância de construir um futuro mais sustentável e que atualmente “já corremos atrás do prejuízo”.

Sustentabilidade não deve ser só ambiental

No entanto, acredito que não devemos perder a noção de que a sustentabilidade só pode ser efetiva se cumprir três princípios básicos: Sustentabilidade Ambiental, Sustentabilidade Económica e Sustentabilidade Social. Se estes três princípios não fizerem um caminho paralelo, dificilmente atingiremos os objetivos a que nos propomos e que, todos concordamos, são fundamentais para o bem comum.

Será que não nos deveríamos interrogar se a solução que nos apontaram como solução para a Europa e que se baseia, quase que integralmente, no caminho da eletrificação das viaturas é o único caminho?

Será que é possível atingir os objetivos traçados (das emissões zero) apenas em cima de viaturas elétricas? Não deveríamos estar a trabalhar – e talvez, sobretudo – para termos soluções que reduzam, de forma drástica, as emissões das mais de 1,4 mil milhões de viaturas que rolam todos os dias no nosso planeta? Provavelmente utilizando grande parte da capacidade instalada que existe já hoje?

Não estaremos a perder o foco naquele que deveria ser o verdadeiro objetivo, que é a redução drástica das emissões em tempo útil e menos as “zero emissões” das viaturas vendidas, processo bem-intencionado e que terá de ser feito, mas que levará muitas décadas a produzir resultados sérios?

Terão noção os políticos colocados em Bruxelas e Estrasburgo, que a maior indústria europeia, a mais importante a mais geradora de riqueza na UE, a que mais investe em desenvolvimento tecnológico, corre um sério ris- co de sobrevivência, fruto de regras impostas pelos próprios?

Logo, quando falamos de Sector Automóvel – Rumo a Um Futuro Sustentável, queremos afirmar que o caminho da Sustentabilidade deste nosso sector deve assentar em três pilares indissociáveis: Ambiental, Económico e Social.

Para terminar, diria que este é um excelente exemplo da aplicabilidade da famosa Pirâmide de Maslow: “dificilmente alguém se preocupará com a sustentabilidade ambiental, se não tiver emprego e condições básicas de vida para si e para os seus”.

*Nota do autor: Roberto Gaspar é um cidadão que utiliza, no seu dia-a-dia, uma viatura elétrica e que acredita que estas viaturas são uma parte muito importante da solução