O “bater das asas de uma borboleta a sudeste”, observado na primeira parte deste dossier, está a ter o efeito de uma tempestade para os construtores de veículos na Europa e um pouco por todo o Mundo. Está também a provocar uma reação em cadeia sobre toda a indústria do automóvel

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Reação em cadeia

Uma das consequências mais imediatas do encerramento temporário das fábricas automóveis e da consequente redução da produção (por falta de componentes para completar os veículos) incide sobre áreas de negócio que alimentam a produção automóvel: pneus, vidros e plásticos, por exemplo.

O setor indústrial ligado à construção automóvel tem grande peso económico para Portugal e é responsável por uma parte significativa das exportações nacionais.

De acordo com a AFIA, Associação de Fabricantes para a Indústria Automóvel, “as exportações de componentes automóveis entre janeiro e agosto de 2021 refletem um decréscimo de 4,9%, em relação ao mesmo período de 2019.

Em 2020 o sector já tinha diminuído a sua atividade em 12,5% face a 2019”, refere Adão Ferreira, secretário-geral da associação, que recorda também o facto deste comportamento menos favorável da indústria nacional já ter sido agravado pelo Brexit, com uma queda de 46,7% das exportações para o Reino Unido.

Hélder Pedro, secretário-geral da ACAP, evidencia o impacto que a indústria automóvel tem sobre o emprego: “12,6 milhões de europeus trabalham no sector automóvel, o qual representa 8,2% do PIB europeu”.

Aos construtores automóveis e fabricantes de componentes devem ainda acrescentar-se os sectores o comércio e serviços que gravitam em redor da indústria automóvel, como empresas de logística, higiene e restauração, por exemplo.

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Impacto global

A escassez de veículos está ainda a afetar sectores relacionados com a vertente comercial do mercado: concessões retalhistas (incluindo vendedores, já que parte substancial dos seus ordenados provém de comissões), gestoras de frota e, no geral, os vários tipos de empresas que atuam na área do aluguer automóvel.

“As empresas de rent-a-car e rent-a-cargo estão a sentir dificuldades na aquisição de veículos para as suas frotas, confrontando-se, atualmente, com prazos de entrega que chegam a ser de oito meses”, refere Joaquim Robalo de Almeida, secretário-geral da ARAC, Associação dos Industriais de Aluguer de Automóveis sem Condutor.

Em consequência desta falta de oferta, “o preço dos automóveis está mais elevado, justificando as marcas tais aumentos devido ao crescimento do preço do custo do aço e de outros materiais utilizados na construção dos veículos”.

frota

Frotas de empresas sem carros

Para as empresas onde as viaturas são essenciais para a continuação da sua atividade, casos dos sectores que operam no transporte de pessoas e bens ou na prestação de serviços técnicos, a situação está a revelar-se particularmente complexa.

As que adiaram renovações na frota previstas para 2020 (algumas beneficiando do regime de moratórias), que estão em fase de terminação de contratos ou com as viaturas no final do prazo previsto para a sua utilização, enfrentam dois cenários: custos de aquisição mais elevados devido a margens de desconto mais reduzidas e indisponibilidade de aquisição, a curto ou mesmo a médio prazo, de alguns modelos, em muitos casos sem sequer data garantida de disponibilidade.

Para os gestores de frota das empresas, os desafios multiplicam-se e avolumam-se sem prazo à vista; ou aceitam o que os operadores ainda conseguem oferecer ou podem ser confrontados com tempos de espera de vários meses, sob o risco das gestoras não realizarem extensões de contrato ou de os renovarem com rendas mais elevadas do que as propostas para veículos novos.

Não é uma decisão fácil. Em certas situações a resolução de aceitar uma viatura pode interferir com a política de frota, implicando a oferta de viaturas diferentes para utilizadores com o mesmo grau de responsabilidade dentro de uma empresa. Por outro lado, uma decisão tardia pode sujeitar a um acréscimo do preço de aquisição da viatura, com implicações fiscais, por exemplo, ao nível da Tributação Autónoma.

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