A Teoria do Caos refere que alterações, mesmo que mínimas, no início de um evento, podem desencadear subsequentes mudanças profundas. Pode assim servir para explicar o momento atual da indústria automóvel europeia e a reação em cadeia que está a fazer estremecer todo o sector.

A crise que abala o sector automóvel começou a desenhar-se em 2020 mas foi menos notada nesse ano.

O abrandamento do consumo em resultado das incertezas quanto ao rumo da pandemia, os períodos de confinamento e a redução da circulação de veículos não afetos à distribuição, por exemplo, permitiram aos construtores manter a oferta e corresponder às encomendas recebidas, fazendo uso do stock de componentes e viaturas disponível.

Contudo, em 2021, com os países a retomarem as suas economias a diferentes velocidades, começaram a surgir os primeiros sinais de alarme: as fábricas europeias de automóveis estavam em dificuldade para conseguir completar alguns modelos, devido à falta de sistemas eletrónicos, cujo funcionamento assenta em microprocessadores produzidos com base em semicondutores.

Logo em março deste ano, Eric-Mark Huitema, diretor-geral da Associação Europeia de Fabricantes de Automóveis (ACEA), alertava, em carta dirigida ao Comissário Europeu para o Mercado Interno:

“tudo indica que a carência persistirá por muitos meses, possivelmente até ao terceiro trimestre deste ano. Como resultado, os volumes de produção na Europa provavelmente serão consideravelmente menores do que o esperado este ano. Isso implica que a utilização da capacidade instalada e o emprego cairão, pelo menos, temporariamente. Uma vez que as entregas de veículos precisarão de ser adiadas, os volumes totais de vendas, para 2021, também podem ficar abaixo das expectativas.”

A borboleta bateu as asas a Oriente

Em poucos meses, este cenário, apesar de tudo otimista, atingiu dimensões mais críticas. Pouco antes do verão, Pat Gelsinger, CEO da Intel, um dos maiores fabricantes mundiais de microprocessadores prevenia: “a situação poderá demorar vários anos a resolver-se”, concretizando, em entrevista mais recente, que a oferta e a procura destes componentes só deverão estabilizar em 2023.

As razões apontadas para a escassez de sistemas eletrónicos necessários para controlar ou fazer operar várias funções em simultâneo, com rapidez e precisão, assentam em vários fatores: menor capacidade de produção de componentes aliada a um brutal aumento da procura, crescentes dificuldades de transporte quer da matéria-prima para as fábricas de componentes eletrónicos, quer destas fábricas para as construtoras de automóveis, e até falta de matéria-prima para os produzir (nomeadamente silício, presente em abundância na natureza, mas que precisa de complexos processos de purificação para ser utilizado na indústria eletrónica).

Como foi possível chegar ao ponto de rotura?

Não se pode dizer que tenha sido por falta de aviso: sempre que a Oriente subsistem problemas de fornecimento de componentes ou que, por qualquer razão de transporte, é interrompida a cadeia de abastecimento, as fábricas automóveis a Ocidente ficam obrigadas a interromper ou reduzir a produção de veículos.

Por isso, as razões que desenharam o atual quadro de dependência já eram conhecidas. Porém, foram agravadas por efeito da pandemia.

Concorrendo com o aumento da procura por parte da indústria dos jogos eletrónicos, dos computadores ou dos telemóveis, por exemplo, a maioria dos construtores automóveis encontra-se dependente das poucas fábricas que produzem componentes eletrónicos e que estão maioritariamente localizadas em países do sudeste asiático.

Uma região onde subsiste a ameaça da pandemia e que se encontra com a vacinação atrasada, com uma capacidade produtiva intermitente e em risco de enfrentar novas vagas da COVID-19.

Maioritariamente efetuado por via marítima, o escoamento deste componente e de outros produtos para as fábricas automóveis enfrenta também dificuldades de transporte para as fábricas do Ocidente.

A logística complicou-se porque algumas empresas mercantis não sobreviveram ou estão sob alçada judicial em resultado dos prejuízos gerados pela inatividade durante as fases mais críticas da pandemia, ou sofrem atualmente com falta de trabalhadores, geralmente provenientes de países com altos índices de contágio por COVID-19.

Naturalmente, a redução de oferta, acompanhada do incremento dos custos de carburante das embarcações, está a traduzir-se num aumento significativo dos custos de transporte.

Como é fácil de antever, a combinação de todos estes fatores está a resultar num aumento dos custos de produção de um automóvel.

Mas os construtores de veículos enfrentam ainda mais ameaças, como a escassez de outras matérias-primas essenciais, caso do magnésio, utilizado para fortalecer ligas de alumínio que moldam motores e carroçarias.

Este aumento de custos vai acabar por se refletir nos consumidores. O que poderá justificar mudanças em muitos modelos de negócio.

LER MAIS:

Reação em Cadeia

Dossier: A tempestade perfeita para a indústria automóvel (II)