Na primeira parte da entrevista que António Mendonça Mendes concedeu à Fleet Magazine e que foi publicada na edição de março de 2020, o Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais falou sobre as alterações do Orçamento do Estado para 2020, nomeadamente as razões que motivaram a alteração do limite do 1.º escalão da Tributação Autónoma e ainda sobre os benefícios para a Mobilidade Elétrica.

Benefícios que estão a motivar cada vez mais elétricas a renovarem as suas frotas com automóveis eletrificados, sobretudo modelos híbrido “plug-in” e 100% elétricos, por serem os que oferecem mais vantagens fiscais, nomeadamente a possibilidade de dedução do IVA e a redução ou isenção (no caso dos BEV) da Tributação Autónoma.

O crescimento das vendas de eletricos pode então potenciar a perda de receitas por parte do Estado, sendo esta a questão que marcou o início da segunda parte da entrevista:

Parte da receita fiscal do Estado é proveniente do sector automóvel mas, a manter-se o panorama atual e por causa dos benefícios, o crescimento de vendas de viaturas elétricas e dos “plug-in” pode implicar a redução de parte dessa receita. Por isso, que modelo de tributação podemos esperar para estas viaturas, sendo que algumas não podem ser taxadas pelo CO2?

Queremos evoluir o nosso sistema de tributação automóvel e este ano vamos designar um grupo de trabalho para fazer um estudo mais aprofundado, tendo em conta também aquilo que é a realidade europeia.

A tributação automóvel tem que se deslocar daquilo que é a propriedade do veículo para a utilização da viatura. É esta alteração que deve ser equacionada de forma a induzir comportamentos.

Toda a tributação, toda a fiscalidade, está a ser no sentido de favorecer a mudança para carros elétricos. Estamos confortáveis com esta situação.

Mas, repito, é importante que a realidade da tributação automóvel seja vista mais na perspectiva da utilização, do que propriamente na perspetiva da aquisição ou da propriedade. E isso seguramente que será feito.

Em algumas empresas ainda é uma prática corrente o automóvel ser utilizado como um complemento salarial. Estão previstas outras medidas para além da Tributação Autónoma para reverter esta situação?

Não podemos usar a política fiscal de forma punitiva. Quando estamos a majorar custos com a aquisição de passes sociais para os trabalhadores, estamos a dar o incentivo para onde nos queremos dirigir. No caso em concreto, estamos a dar incentivos fiscais às empresas que decidam ter como política pagar os passes aos trabalhadores.

“Estamos a criar incentivos para que as empresas possam ter frotas mais sustentáveis”

Mas há uma desproporcionalidade enorme entre os valores de uma viatura e um passe social, quando considerados como complemento salarial…

As viaturas ou são de serviço ou são um complemento de salário.

Se são um complemento de salário têm de ser tributadas como um rendimento do trabalho. É importante frisar isto.

Quando as empresas usam o carro como um complemento salarial, a questão que se deve colocar é se essas mesmas empresas declaram esse carro como complemento salarial. Não estou com isto a lançar nenhum anátema, estou a dizer que as coisas são como são.

Por isso, procuramos fazer as coisas com prudência. O ideal seria não haver Tributação Autónoma. Mas ela surge exatamente como medida de combate à evasão fiscal e de desincentivo a que o rendimento do trabalho não seja declarado.

Acho que nós podemos usar a fiscalidade como incentivos positivos, ao descriminar positivamente os veículos elétricos ou os custos que as empresas têm com os transportes públicos dos trabalhadores.

Mas reconhece que, na prática, uma empresa tem a opção de declarar a viatura como rendimento ou como carro de serviço?

O quadro legal que existe nessa matéria é estável. E tem muitos anos. O que nós fizemos agora foi colocar mais carros dessas empresas a pagar menos de impostos. Esta é uma boa medida para as empresas e seguramente que agrada também ao sector automóvel, que há muito vem reivindicando nessa área.

Ao mesmo tempo, estamos a criar incentivos para que as empresas possam ter frotas mais sustentáveis, designadamente através de carros elétricos; estamos a dar incentivos às empresas para que possam apostar numa política de complemento salarial com passes sociais. Esta é a mensagem positiva que queremos dar.

Concretamente, além da majoração da aquisição do passe social, que outras medidas é que podemos equacionar na promoção de uma mobilidade mais sustentável dos colaboradores?

A medida que mais estimula a mobilidade nos transportes públicos é a redução tarifária que está a ser suportada tanto pelo Governo como pelos municípios. Isso tem como consequência uma maior oferta dos transportes públicos, a par da redução do preço tarifário e de incentivos mais modestos para as empresas também o fazerem.

A conjugação de todos é seguramente uma política bastante conseguida.

Para encerrar: participar como orador na Conferência Gestão de Frotas em 2018 deu-lhe noção da dimensão do mercado de viaturas para empresas e de como o sector é importante para a totalidade do mercado automóvel nacional?

É importante reafirmar algo que disse ao longo desta conversa. O Governo não coloca sectores de atividade como inimigos.

Temos a consciência da importância que as empresas e as frotas das empresas têm para o sector automóvel. Que a frota de empresa é muito mais do que a utilização individual dos automóveis por parte dos trabalhadores. É toda a logística associada ao transporte.

Não temos a mínima dúvida da importância que as frotas das empresas têm para o sector automóvel e isso deve ser devidamente enquadrado.

Considero que têm de existir soluções que sejam razoáveis, justas e num determinado contexto.

O facto de querermos favorecer as empresas que atribuam aos seus trabalhadores passes sociais não significa que desconsideremos o facto de as empresas necessitarem de frotas automóveis para aquilo que é a sua atividade corrente.

“Não podemos olhar para o automóvel como um inimigo”, afirma Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais (I)