Os efeitos da pandemia têm levado ao aumento do preço de algumas matérias-primas e, inclusive, à sua escassez, com custos de transporte mais elevados e incumprimentos de prazos constantes.

Esta situação tem provocado constrangimentos no funcionamento na maioria dos sectores económicos.

Um dos sectores mais atingido é o da venda de automóveis. Os preços dos automóveis novos já começaram a registar uma subida devido às paragens das fábricas de componentes, criando ruturas no abastecimento do mercado.

As empresas do sector da venda de automóveis novos tentam, de alguma forma, contornar esta dificuldade, apostando no comércio de viaturas usadas, já que, num período de transição energética, as viaturas elétricas ainda não são para todas as carteiras.

Para efeitos de IVA, consideram-se viaturas usadas (não novas) as que reúnam, cumulativamente, as seguintes condições: que a sua transmissão tenha sido efetuada há mais de seis meses, após a data da primeira utilização (a data da primeira utilização será a constante no título de registo de propriedade) e tenham percorrido mais de 6.000 quilómetros.

As empresas do ramo automóvel podem adquirir os veículos usados por aplicação do regime geral do IVA ou pela aplicação do regime da margem de lucro dos bens em segunda mão (regime especial), cumprindo as condições referidas no próprio regime.

É aplicável o regime especial, desde que a aquisição dos veículos seja efetuada no interior da União Europeia em qualquer das seguintes condições:

  • A uma pessoa que não seja sujeito passivo (particular);
  • A outro sujeito passivo, desde que a transmissão feita por este beneficie da isenção de IVA (n.º 32 do artigo 9.º do Código do IVA);
  • A outro sujeito passivo, desde que a transmissão feita por este tenha tido por objeto um bem de investimento e tenha sido isenta de imposto (artigo 53.º do Código do IVA);
  • A outro sujeito passivo revendedor, desde que a transmissão por este esteja abrangida por um regime de tributação da margem.

No que se refere à aquisição, sempre que um sujeito passivo nacional adquira veículos usados a um sujeito passivo revendedor, estabelecido noutro Estado-membro, que tenha aplicado o regime especial de tributação em vigor nesse Estado-membro, a correspondente aquisição intracomunitária efetuada em território nacional não se encontra sujeita a imposto.

Uma outra característica muito importante deste regime é a impossibilidade de o sujeito passivo revendedor, que destine os bens adquiridos a transmissões sujeitas ao regime especial, deduzir o IVA que onerou a aquisição ou a importação dos bens objeto de revenda.

Quando a empresa deste sector automóvel vender os veículos em território português, poderá ter duas opções:

  • Efetuar a sua revenda segundo as regras do regime geral do IVA;
  • Aplicar na sua revenda o regime especial.

Na declaração periódica do IVA não será inscrito qualquer valor referente à aquisição, não só porque não foi liquidado imposto português pelo revendedor, mas porque, segundo este regime, não há dedução de IVA suportado.

O mecanismo da “dedução” do imposto já está contemplado no cálculo da margem.

Na revenda, quando aplicado o regime especial, o imposto eventualmente suportado é retirado da tributação (para não existir IVA sobre IVA) e não há liquidação de imposto sobre a contraprestação devida pelo cliente, mas pela diferença entre esta e o custo do bem (preço de compra).

O único valor a ser incluído na declaração periódica do IVA é o referente à margem (valor tributável), calculada de acordo com o próprio regime especial, na posterior venda.

No preço de compra apenas se poderá incluir o valor pago ao fornecedor como contraprestação pela aquisição do bem. Não são incluídas quaisquer despesas associadas à aquisição (os custos de transporte, taxas de aquisição, transferência de propriedade, inspeção, emissão de livrete), nem o ISV e IUC.

O valor tributável poderá ser determinado de acordo com o regime da margem, conforme o seguinte exemplo:

  • Margem (com IVA incluído) = Preço de venda (17.000 euros) – Preço de compra (10.000 euros)
  • Valor tributável = Margem X (100/123) = 7.000 euros X (100/123) = 5.691,06 euros – Campo 3 do quadro 06 da declaração periódica
  • IVA Liquidado = Valor tributável X 23% = 1.308,24 euros – Campo 4 do quadro 06 da declaração periódica

TRIBUTAÇÃO AUTÓNOMA 2021

Aquisições pelo regime normal de IVA

Se a venda for efetuada, por exemplo, por um sujeito passivo revendedor noutro Estado-membro, que tenha aplicado, não o regime especial, mas sim o regime geral das transações intracomunitárias, a correspondente aquisição intracomunitária, efetuada em território nacional, está sujeita a IVA, pelo regime do IVA nas transações intracomunitárias (RITI).

O IVA terá obrigatoriamente de ser liquidado sobre o preço total da venda, podendo o IVA suportado na aquisição ser objeto de dedução, nos termos gerais do Código do IVA.

Tratando-se de meios de transporte não novos, a liquidação do IVA pela aquisição intracomunitária é sempre feita pelo adquirente (autoliquidação), na declaração periódica.

Aquando da venda em território português, deverá ser liquidado IVA, sobre o preço de venda. Ou seja, não se pode aplicar o regime da margem.

As empresas adquirentes terão de estar inscritas no sistema VIES para se aplicar a tributação em IVA no destino. Se não estiverem inscritas nessa base de dados, o fornecedor comunitário tem legitimidade para liquidar IVA do Estado-membro de origem dos bens pelo valor da contraprestação, não sendo este dedutível nem reembolsável.

Menções a constar nas faturas

Outro ponto importante será analisar as menções que devem constar nas faturas emitidas por parte dos revendedores de veículos usados que estão estabelecidos na União Europeia.

O Decreto-Lei n.º 197/2012, de 24 de agosto, introduziu alterações no Código do IVA, no RITI e alguma legislação complementar, transpondo a Diretiva n.º 2008/8/CE, do Conselho, de 12 de fevereiro, em matéria de localização das prestações de serviços, e a Diretiva n.º 2010/45/UE, do Conselho, de 13 de julho, em matéria de faturação, dando execução às autorizações legislativas constantes da Lei n.º 64-A/2011, de 30 de dezembro.

De entre as diversas alterações, destaca-se, nomeadamente:

  • A introdução de alterações em matéria de exigibilidade do imposto;
  • A simplificação dos requisitos para a utilização de faturação eletrónica por parte dos operadores económicos;
  • A uniformização no plano da União Europeia das menções referentes aos regimes de tributação aplicáveis a constar das faturas, a fixação uniforme de um prazo máximo para emissão da fatura no caso de serviços intracomunitários cujo imposto seja devido no Estado-membro do adquirente;
  • A introdução de faturas simplificadas.

Face a estas alterações, o regime especial determina que as faturas relativas às transmissões efetuadas ao abrigo do regime especial de tributação da margem, emitidas pelos sujeitos passivos revendedores, não podem discriminar o imposto devido e devem conter a menção “Regime da margem de lucro – Bens em segunda mão”, “Regime da margem de lucro – Objetos de arte” ou “Regime da margem de lucro – Objetos de coleção e antiguidades”, conforme os casos.

Com a publicação do Decreto-Lei n.º 197/2012, deixa de fazer sentido a aplicação do Ofício-Circulado n.º 97 748, de 26/09/97 – Bens em 2.ª Mão – Transmissões Intracomunitárias – Faturas (Menções a constar nas faturas) – Faturas (Menções Específicas).

Sem prejuízo das regras de faturação exigidas, as empresas comunitárias, muitas das vezes, não indicam qual o regime de IVA que aplicaram na venda dos veículos automóveis usados.

Quando existam dúvidas nas faturas emitidas pelos revendedores comunitários, será sempre conveniente entrar em contacto com o próprio revendedor de forma a esclarecer qual o regime aplicado.

Esta informação é fundamental para as empresas adquirentes saberem qual o enquadramento fiscal a efetuar de forma a não entrarem em incumprimento em termos fiscais, nomeadamente em sede de IVA.