As afirmações proferidas por João Pedro Matos Fernandes, atual Ministro do Ambiente e Transição Energética, sobre a desvalorização futura das viaturas a gasóleo, desencadearam uma série de reações de protesto por parte de agentes económicos do sector automóvel e associações representativas da atividade.
Recorde-se que, em entrevista à Antena 1/Jornal de Negócios, este membro do governo declarou não haver necessidade de aumentar os incentivos à aquisição de viaturas elétricas porque “quem comprar um carro diesel muito provavelmente daqui a quatro ou cinco anos não vai ter grande valor na sua troca”.
Apesar de já se manifestar uma tendência de inversão das preferências dos consumidores do gasóleo para motores a gasolina – a distribuição do mercado automóvel em 2018 mostra isso mesmo – esta declaração apanhou completamente de surpresa um sector que está a viver um momento delicado em resultado da entrada em vigor do WLTP, do aumento de restrições ao crédito de consumo e da incerteza quanto à evolução da atividade económica.
Por outro lado, ao colocar um limite temporal de quatro ou cinco anos, o Ministro coloca uma pressão acrescida sobre as entidades financeiras e gestoras de frotas automóveis, que terão, nessa altura, vários milhares de viaturas usadas provenientes de contratos vencidos.
Sabendo-se que o valor residual é uma componente importante para o apuramento de uma renda, é fácil calcular os efeitos da afirmação do ministro do Ambiente.
Isto explica a reação negativa da parte da ALF, Associação de Leasing, Factoring e Renting.
Mesmo se, por diversas vezes, o atual governo tenha dados sinais claros da intenção de contrariar a procura de carros com motor a gasóleo e que, tanto a nível central como autárquico, se esteja a promover uma acelerada transição energética para veículos elétricos ou eletrificados.
Ainda que, a nível europeu, aumentem as restrições à circulação de veículos a gasóleo, nomeadamente à circulação de modelos mais antigos em centros urbanos.
Ou que, em alguns países europeus, se verifique uma redução da procura de carros usados com motores a gasóleo e que, por consequência, alguns mercados da Europa do Leste e do Sul sejam o principal destino de muitas das unidades de frota libertadas por gestoras e grandes empresas, por redução da procura nos seus mercados de origem.
E mesmo se a Bosch anunciou tecnologia capaz de garantir o efetivo tratamento dos gases e até uma redução acentuada de valores de NOx, alguns construtores automóveis declararam abandonar o desenvolvimento ou comercialização gradual de novos motores a gasóleo, enquanto outros simplesmente já deixaram de os disponibilizar na gama ligeira de passageiros.
As razões da ACAP
Em reacção às declarações de Matos Fernandes, a ACAP afirma peremptória que elas “podem resultar de um desejo do Sr. Ministro, mas não têm qualquer correspondência com a realidade”.
“Portugal está integrado na União Europeia e não existe qualquer regulamentação que aponte no sentido das declarações do Sr. Ministro. Inclusivamente, desde setembro de 2018 todos os veículos diesel passam por um teste de homologação mais rigoroso no âmbito da Norma Euro 6d-TEMP, que terá uma nova fase em setembro deste ano. O que prova que, no âmbito da regulamentação comunitária, a aposta é na redução das emissões dos veículos diesel a lançar no mercado europeu nos próximos anos”, lembra a Associação do Comércio Automóvel.
Além de representativa do comércio automóvel, a ACAP tem ainda na sua estrutura a componente indústria, incluindo fabricantes de automóveis e de componentes que estão a desenvolver e a produzir, em Portugal, viaturas e peças para o sector.
Por isso, no comunicado faz questão de frisar o empenho que tem sido feito para reduzir emissões, e “a prova deste compromisso é de que 40% dos novos modelos anunciados para 2021, já terão a opção da motorização eléctrica”.
“Todavia, esta transição irá ser feita de forma gradual”.
Vincando o facto de Portugal é o terceiro país da União Europeia com maior percentagem de vendas de veículos eléctricos, (1,8% do mercado em 2018, com um crescimento de 148% face a 2017), a ACAP lastima, por isso, “que o Sr. Ministro não tenha ponderado o impacto das suas palavras na actividade das empresas do sector automóvel. O Sr. Ministro, ao proferir esta declaração, deveria ter tido em consideração que a indústria automóvel é a principal indústria exportadora em Portugal e que o sector automóvel é o principal contribuinte líquido do Estado, ao ser responsável por mais de 25% do total das receitas fiscais”.
De facto, quer pela redução da venda e circulação de viaturas, quer com uma transição massiva para outras fontes de energia, a manter-se o actual regime de fiscalidade automóvel, o Estado perderia um volume significativo de receitas provenientes de impostos ligados ao automóvel.
Lembrando a idade avançada do parque automóvel, a ACAP aproveita a oportunidade para denunciar que, em contrapartida, “o Ministério do Ambiente tenha sucessivamente rejeitado a implementação de um programa de incentivo ao abate de veículos, para permitir renovar o nosso parque automóvel”, e termina o comunicado confirmando que “não está prevista qualquer alteração de legislação, a nível europeu, que implique uma desvalorização dos veículos a diesel nos próximos anos”.
As razões da ALF
Também a ALF reagiu negativamente às afirmação do Ministro do Ambiente e Transição Energética.
Enquanto Associação de Leasing, Factoring e Renting, a preocupação dos seus associados é facilmente explicada pelas razões apontadas na parte inicial deste texto.
Declarando que as polémicas afirmações no Ministro “não só não espelham a realidade como não contribuem para reforçar a previsibilidade e estabilidade que devem nortear o esforço de redução das emissões dos veículos em que toda a sociedade está empenhada”, a ALF lembra que “o setor do Renting, enquanto principal especialista na projeção dos valores futuros dos automóveis, não tem qualquer indicação de que exista uma tendência decrescente no valor dos veículos a diesel”.
“A referida afirmação não tem assim qualquer base técnica e só pode ser entendida num contexto político desfasado da realidade do setor automóvel”, reforça.
Como a ACAP, também a ALF está convicta de que a “transição para automóveis híbridos e/ou elétricos deverá processar-se de forma gradual, acompanhando a evolução natural do mercado e da crescente oferta de viaturas cada vez mais eficientes ao nível de emissões, sejam elas elétricas, híbridas, a gasolina ou a diesel”.
“A ALF reitera a sua total disponibilidade para trabalhar com as autoridades nacionais na promoção de modos de mobilidade mais sustentáveis, tal como tem feito aliás a nível da União Europeia, através da Leaseurope”, termina o comunicado desta associação.