As normas ESG e a taxonomia da UE para atividades sustentáveis estão a transformar profundamente a forma como as empresas gerem os seus ativos. Incluindo as frotas automóveis, onde áreas aparentemente menos complexas como os pneus passam a estar sob escrutínio e a sua gestão deixa de poder ser encarada apenas como uma inevitabilidade técnica ou operacional
Como Luís Espírito Santo, técnico de gestão de frota da Ascendi, explica no seu texto, as crescentes imposições regulatórias em torno da sustentabilidade têm colocado dificuldades novas para as empresas no momento de adquirir ou renovar as suas frotas. Um dos aspetos que desencadeia complicações adicionais e por vezes inesperadas é a taxonomia europeia, em particular os critérios ambientais associados aos pneus instalados nos veículos da frota.
Se a conciliação de fatores como TCO, segurança, imagem e critérios de eficiência, por exemplo, torna cada vez mais complicada a tarefa de estabelecer grelhas e negociar valores com os fornecedores, o quebra-cabeças ameaça ficar ainda mais complexo: pode ser necessário prevenir que os pneus dos veículos contratados cumprem os critérios de sustentabilidade exigidos e, quando envolve financiamento renting, que o serviço de substituição, mesmo por danos inesperados, mantém essa conformidade.
Este cenário pode agravar as rendas de renting e, para evitar surpresas, exige aos gestores de frota uma atenção redobrada aos detalhes contratuais.
Assim, uma questão aparentemente técnica, passa a ser estratégica. E, num contexto em que as empresas desempenham um papel central na transição energética, a falta de alinhamento entre compradores, fabricantes e reguladores pode tornar-se um entrave à eficiência da mobilidade empresarial sustentável. Mais um sinal de que, para além da motorização ou da autonomia elétrica, a sustentabilidade também se mede nos detalhes.
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Desalinhamento com os critérios da Taxonomia “Verde”
O Regulamento da Taxonomia da União Europeia, que define o que pode ser considerado um investimento sustentável, impõe padrões cada vez mais exigentes, nomeadamente no que diz respeito à eficiência energética, aderência, ruído de rolamento exterior, emissões de CO₂ e impacto ambiental na cadeia de valor de componentes como os pneus. (“Critérios técnicos de avaliação”, Regulamento Delegado (UE) 2023/2486 da Comissão de 27 de junho de 2023).
Esta realidade tem implicações práticas para as empresas, uma vez que, em muitos casos, os pneus instalados de fábrica nas viaturas adquiridas não cumprem os critérios exigidos para que o veículo seja classificado como ativo sustentável.
A não conformidade dos pneus originais pode desencadear:
- A viatura, apesar de ser elegível, pode não estar alinhada com a taxonomia;
- A empresa pode perder acesso a taxas de juro mais reduzidas, linhas de crédito verde ou fundos de apoio à transição energética.
Impacto no TCO (Custo Total de Utilização)
Além do impacto direto na elegibilidade para apoios, existe uma consequência económica mais imediata: o custo total de utilização. Se os pneus não estiverem alinhados com os requisitos internos ou com a política de sustentabilidade da empresa, pode ser necessário proceder à sua substituição logo após a entrega da viatura.
Ou seja, viaturas novas equipadas com pneus que não cumprem critérios sustentáveis podem obrigar:
- À substituição imediata dos pneus para cumprir regulamentos internos de sustentabilidade ou para se qualificarem como ativos verdes;
- À revisão dos contratos de renting ou leasing, com impacto direto no custo total e na previsibilidade financeira;
- A eventual atraso ou desfasamento nas várias etapas de renovação da frota.
Implicações para reporte ESG
Para as empresas que reportam indicadores ESG, este desalinhamento com os critérios ambientais pode comprometer a consistência dos relatórios. Um desvio, por pequeno que seja, pode afetar negativamente a avaliação do desempenho ambiental.
Por isso, o incumprimento de critérios relacionados com os pneus pode:
- Comprometer a coerência do reporte ESG, afetando a avaliação de desempenho ambiental;
- Levar a penalizações reputacionais ou exclusão de concursos públicos cujos critérios de elegibilidade se tornam cada vez mais exigentes e escrutinados.
O desafio da imprevisibilidade
Nem sempre as marcas ou os concessionários conseguem garantir antecipadamente os pneus que virão montados nas viaturas. Esta incerteza complica a gestão da conformidade dos pneus, especialmente em organizações com normas ambientais rigorosas e metas definidas.
A substituição precoce de pneus que não cumprem os critérios acaba também por gerar desperdício, contrariando os próprios princípios da sustentabilidade e aumentando a pegada ecológica do processo de aquisição.
Como consequências prováveis surgem:
- Complicações acrescidas no momento da tomada de decisão de compra, pela dificuldade em garantir antecipadamente a conformidade dos pneus instalados nas viaturas adquiridas;
- Atrasos na entrega, caso haja exigência de pneus específicos, afetando o calendário de renovação da frota.
Logística e sustentabilidade operacional
Por fim, para empresas que assumem a gestão interna dos pneus da frota, a substituição precoce deste componente por questões de compliance, pode originar:
- Desperdício de recursos e aumento da pegada ecológica, em contradição com os objetivos de sustentabilidade;
- Problemas logísticos e custos adicionais com armazenamento ou reciclagem dos pneus substituídos.
Oferta de pneus alinhados com critérios ESG
Embora não existam pneus “certificados” pela Taxonomia da UE (porque a taxonomia é um sistema de classificação para atividades económicas e não para produtos individuais), é possível identificar características que os pneus devem possuir para cumprir com os critérios técnicos de elegibilidade ambiental, nomeadamente no contexto da gestão sustentável de frotas.
Pneus com classificação A em resistência ao rolamento e em aderência ao piso molhado são os mais eficientes e seguros, logo, os preferidos numa lógica ESG.
Algumas certificações adicionais dos fabricantes reforçam a sustentabilidade:
- ISO 14001 (padrão internacional para sistemas de gestão ambiental, SGA);
- EMAS (Sistema Comunitário de Ecogestão e Auditoria), certificação ambiental voluntária do fabricante que vai além da ISSO 14001;
- Declarações de pegada de carbono do produto (CFP, CarbonFootprintofProducts).
Contudo, se existe alguma oferta de pneus com classificação A/A para Viaturas Ligeiras de Passageiros (de marcas como Michelin, Goodyear, Continental ou Pirelli, por exemplo), nem sempre estão disponíveis para todas as medidas e especificações (por exemplo, índice de carga e velocidade) e os preços mais elevados agravam os custos de utilização da viatura. E qual será o acréscimo por colocar esta exigência como premissa no caderno de encargos de um contrato de locação operacional?
No caso dos veículos Ligeiros de Mercadorias, o cenário revela-se mais complexo. A utilização intensiva a que estas viaturas estão habitualmente sujeitas (percursos longos e variados, pisos e temperaturas diferentes, transporte de cargas pesadas e por vezes mal distribuídas) exige pneus mais robustos, capazes de suportar o peso autorizado durante muitos quilómetros, sem comprometer a segurança ou a eficiência.
Neste contexto, importa conhecer quais são os limites técnicos atuais da indústria para oferecer pneus com classificação A/A que consigam, simultaneamente, garantir a durabilidade exigida por este tipo de utilização. Além disso, subsiste a questão de como as empresas irão gerir o risco de tempos de imobilização acrescidos, caso ocorra uma rutura de stock local ou se verifique indisponibilidade da dimensão exigida pela viatura.